Igualdade é tratar todos da mesma forma. Mas quando todos não são iguais, seria isso suficiente? É aqui que surge o conceito de equidade.
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Igualdade não é Equidade
O debate sobre igualdade e equidade tem sido central nas discussões filosóficas e políticas ao longo da história, principalmente quando falamos de justiça social, direitos humanos e oportunidades. Contudo, embora sejam conceitos interligados, igualdade e equidade possuem significados e implicações bem diferentes.
Igualdade: A Busca por Tratamento Igual
O conceito de igualdade é bastante antigo, tendo raízes na filosofia grega com pensadores como Platão e Aristóteles, que debateram a justiça e o tratamento igualitário entre os cidadãos. A ideia de igualdade está intimamente ligada à noção de que todos devem ser tratados de forma idêntica perante a lei e a sociedade, independentemente de suas diferenças individuais.
No entanto, essa visão inicial de igualdade era limitada, já que em muitas civilizações antigas, mulheres, escravos e outros grupos não eram contemplados pelos direitos civis que a elite masculina tinha.
Historicamente, a ideia de igualdade ganhou força durante a Revolução Francesa (1789), que trouxe o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” como um dos pilares da nova sociedade republicana. Durante esse período, os revolucionários franceses lutaram contra os privilégios da nobreza e do clero, exigindo uma sociedade onde todos os cidadãos tivessem os mesmos direitos. Esse movimento foi um marco na história do conceito de igualdade, uma vez que influenciou outros países a questionarem seus próprios sistemas de privilégios e exclusões.
Surgindo a partir da pauta de diversos movimentos sociais que afloraram no século XIX, e que depois se tornariam mais evidentes com as guerras imperialistas da primeira metade do século XX, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), seria um marco importante na luta por igualdade.
Esse documento estabeleceu o princípio de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, independentemente de raça, gênero, nacionalidade ou religião. A declaração buscava garantir o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal para todos. Mas do conceito de igualdade passou a ficar claro que isso não seria suficiente para garantir dignidade a todos. E assim ganhou força o conceito de equidade.
Equidade: Considerar as Diferenças para Promover Justiça
Se a igualdade trata de dar a todos o mesmo tratamento, a equidade vai além. A equidade reconhece que as pessoas são diferentes e que, para atingir a justiça, é necessário considerar essas diferenças. Enquanto a igualdade busca garantir que todos tenham os mesmos direitos, a equidade busca garantir que todos tenham as mesmas oportunidades, levando em conta as circunstâncias individuais que podem dificultar o acesso a esses direitos.

A equidade ganhou relevância nos debates filosóficos com pensadores como John Rawls, que, em sua obra “Uma Teoria da Justiça” (1971), defendeu a ideia de que as desigualdades sociais e econômicas só podem ser justificadas se trouxerem benefícios para os menos favorecidos. Rawls propôs o conceito de “justiça como equidade”, argumentando que, em uma sociedade justa, as instituições devem ser organizadas de maneira que proporcionem vantagens equitativas a todos os seus membros.
Nos últimos anos, a equidade tem sido um conceito amplamente discutido em diversas áreas, como educação, saúde, trabalho e direitos sociais. Isso porque, ao se tratar todos de maneira igual, corre-se o risco de perpetuar desigualdades já existentes.
Por exemplo, em um sistema educacional onde todos têm acesso às mesmas oportunidades, aqueles que vêm de famílias mais pobres podem não ter as mesmas condições para aproveitar essas oportunidades em comparação com aqueles que vêm de famílias mais ricas. Nesse caso, a equidade busca compensar essas desigualdades iniciais, oferecendo apoio adicional a quem mais precisa.
Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos Humanos
A Revolução Francesa foi um marco histórico na luta pela igualdade, pois foi um dos primeiros momentos em que se tentou institucionalizar o conceito de igualdade de direitos. A monarquia absolutista e a divisão rígida entre as classes sociais estavam entre os principais alvos dos revolucionários. O “Terceiro Estado”, composto por camponeses, trabalhadores e a burguesia, exigia uma sociedade mais justa, onde os direitos fossem iguais para todos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi um documento precursor que influenciou diretamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Ela estabelecia que “todos os homens nascem livres e iguais em direitos”, um avanço significativo em direção à igualdade jurídica. No entanto, a equidade ainda não era uma preocupação explícita nesse momento da história. Era mais importante garantir que os direitos fossem estendidos a todos, algo que já era revolucionário para a época.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por sua vez, veio num momento pós-Segunda Guerra Mundial, quando o mundo, traumatizado pelos horrores da guerra, buscava estabelecer uma nova ordem global baseada em princípios de respeito à dignidade humana. Essa declaração teve um papel fundamental na disseminação dos ideais de igualdade e equidade, servindo como base para diversas constituições e leis ao redor do mundo.
As semelhanças que enganam
Inicialmente Igualdade e Equidade parecem conceitos semelhantes, mas a diferença é fácil de perceber depois de um olhar mais atento. Em um exemplo simples, podemos pensar na imagem que ilustra este artigo, no qual três pessoas tentam assistir uma partida de beisebol por trás de uma cerca. O obstáculo, a cerca, é entendido como a realidade. Se considerarmos o senso comum, todos são iguais e a cerca é a mesma para todos. Mais ou menos como na ilustração abaixo:

Mas a realidade não é igual, não é mesmo? Diferenças sociais, fisiológicas, racismo, todos são barreiras que se somam a essa cerca. Então, para diferentes crianças, é como se a cerca aumentasse de tamanho:

O conceito de equidade vem, assim, se somar ao de igualdade de forma a criar a compreensão de que pessoas em condições diferentes precisam de algo que as equipare, dando a todos a chance de ter o mesmo acesso aos seus direitos.
Desta primeira compreensão sobre o significado de equidade, surge uma outra questão. Ainda pensando na ilustração dos caixotes, cabe pensar: qual das três pessoas ali teria mais motivação para reclamar e ir atrás de um caixote? Seria muito bom pensarmos que os três tomaram a iniciativa, mas pra ser semelhante à nossa realidade sabemos que provavelmente a primeira reclamação teria que partir do pequeno. Pra ele era uma questão de necessidade, para os outros de solidariedade.
A Relevância Atual da Equidade
Nos últimos anos, a equidade tornou-se um conceito central em muitas discussões sociais, principalmente no que diz respeito à justiça distributiva e à promoção de oportunidades iguais. A igualdade por si só não basta para garantir que todos tenham uma vida digna, pois as condições iniciais são, muitas vezes, muito diferentes.
Um dos exemplos mais citados é o da educação: oferecer a mesma educação para todos pode parecer justo, mas, na prática, as barreiras enfrentadas por estudantes de diferentes origens sociais, raciais ou econômicas fazem com que muitos não consigam alcançar o mesmo nível de sucesso. Portanto, a equidade se tornou essencial para promover um ambiente mais justo, onde cada pessoa recebe o que necessita para ter sucesso.
A equidade também se faz presente em políticas de ações afirmativas, como aquelas voltadas para ampliar o acesso de minorias a universidades ou empregos. Movimentos feministas e antirracistas, por exemplo, lutam por uma sociedade mais equitativa, onde as mulheres e as populações negras possam competir em pé de igualdade com os grupos historicamente privilegiados.
Movimentos Sociais que Lutam por Equidade
Diversos movimentos sociais ao redor do mundo têm colocado a equidade no centro de suas pautas. O movimento feminista, por exemplo, não busca apenas igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas também equidade, reconhecendo que as mulheres enfrentam barreiras históricas e estruturais que impedem sua plena participação na sociedade.
Outro exemplo é o movimento negro, que luta por equidade racial em diversos aspectos, como educação, emprego e segurança. O reconhecimento de que pessoas negras, historicamente marginalizadas, enfrentam desvantagens sociais e econômicas significativas faz com que as demandas por políticas equitativas se tornem ainda mais urgentes.
Além disso, o movimento em prol dos direitos das pessoas com deficiência também reivindica equidade. Acessibilidade e inclusão são temas centrais, já que, para garantir a igualdade de oportunidades, é necessário considerar as necessidades específicas de cada indivíduo.
Considerações Finais
A distinção entre igualdade e equidade é fundamental para compreender as lutas sociais contemporâneas. Enquanto a igualdade visa tratar todos da mesma forma, a equidade busca garantir que todos tenham as mesmas oportunidades, levando em consideração suas diferenças e contextos.
Essas ideias evoluíram ao longo do tempo, desde a Revolução Francesa até a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e continuam a ser centrais nas discussões sobre justiça social. Movimentos em prol dos direitos das mulheres, negros e pessoas com deficiência são exemplos de como a equidade é uma demanda urgente e necessária para a construção de uma sociedade verdadeiramente justa.
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