Hilda Furacão – a vida da bela que troca a alta sociedade por um bordel em BH. Paixão proibida, escândalos e o choque entre desejo e moralidade.
Tempo de Leitura: 9 minutos
“Hilda Furacão” em poucas palavras …
Nos anos 1950, Belo Horizonte se torna o cenário de uma história intensa e cheia de escândalos. Hilda Müller(Ana Paula Arósio), uma jovem de rara beleza e pertencente à alta sociedade, deixa a sociedade horrorizada ao abandonar um noivado promissor e a vida de privilégios para se refugiar no coração boêmio da cidade.
Desafiando as convenções sociais, Hilda passa a viver no famoso bordel Maravilhosa, onde sua presença transforma o lugar em um ponto de interesse e intriga para toda a cidade. O mistério que cerca sua personagem intriga a sociedade, que não consegue deixar de querer saber: o que teria levado Hilda a abandonar seu casamento e se tornar uma prostituta? Sua escolha desperta fascínio, críticas e curiosidade, enquanto ela se torna uma figura mítica, dividida entre a liberdade que busca e os julgamentos que a cercam.
Paralelamente, a trama apresenta a jornada de Malthus (Rodrigo Santoro), um jovem seminarista que desde pequeno foi convencido pela mãe de que seria um santo. Ele abraçou a fé da mãe e a vida monástica, indo morar num convento em Belo Horizonte. Ali ele passou a ser reverenciado como um santo, embora nunca tenha feito um milagre.
O fascínio em torno de Hilda cresce, e uma fila de homens se forma todas as noites no Maravilhoso Hotel. Sentindo-se ameaçadas pela projeção que Hilda consegue ter, algumas senhoras organizam-se para combatê-la, e nisso são apoiadas pelos padres e políticos que desejavam retirar a zona boêmia do centro da cidade para um lugar chamado “Cidade das Camélias“. Nesta cruzada contra o pecado, o frei Malthus é chamado para exorcizar Hilda. Ele aceita a missão, certo de que retirar o pecado de Hilda seria seu primeiro milagre.
Porém, ao cruzar seu caminho com o de Hilda, ele passa a enfrentar um conflito interno entre sua fé e uma paixão que desafia todos os seus princípios. A tensão romântica entre Hilda e Malthus se torna mais profunda na mesma proporção que o abismo entre eles se torna mais evidente.
Ficha Técnica
Hilda Furacão (1998)
Quantidade de Episódios: 51
Duração de Cada Episódio: Aproximadamente 50 minutos
Produção: Rede Globo
Estúdio de Produção: Projac (Central Globo de Produção)
Elenco Principal:
Ana Paula Arósio (Hilda Furacão), Rodrigo Santoro (Frei Malthus), Paulo Autran (Padre Nelson), Eva Todor (Dona Lolo), Matheus Nachtergaele (Cintura Fina), Danto Mello (Roberto Drummond), Rosi Campos (Maria Tomba-Homem), Stênio Garcia (Tonico Mendes), Luís Mello (Padre Ciro), Sérgio Loroza (M.C.), Caio Junqueira (Demétrio).
Onde Assistir: Globoplay
Análise de “Hilda Furacão”
Rompendo as convenções sociais
Baseada no romance homônimo Hilda Furacão de Roberto Drummond, a série de Glória Perez e Wolf Maya explora os conflitos entre os habitantes da zona boêmia de Belo Horizonte e os representantes dos bons costumes. A chegada de Hilda, e o mistério que a torna mais fascinante, faz com que este conflito se intensifique, ganhando os espaços políticos e religiosos. Seu personagem perturba a paz mineira, pois ela não está disposta a ficar escondida como seria de se esperar, mas sim de se colocar sob os holofotes. E estes acabam tornando evidentes também toda a hipocrisia da sociedade mineira.
Na década de 1990 a Rede Globo buscava investir em produções de alta qualidade, repetindo sucessos de adaptações literárias como “O Tempo e o Vento“. O formato de minissérie, que ia ao ar em um horário pensado para um público mais adulto, tinha como proposta abordar temas mais complexos e polêmicos. Naquela década o Brasil passava por um momento de questionamento de valores morais, impostos pela censura durante os anos de ditadura militar. A sexualidade, tema que tinha sido um tabu naqueles anos, recebia então especial atenção por parte dos produtores.
Dentro deste tema foram produzidas várias séries pela Rede Globo, tais como “Malu Mulher” nos anos 1980, e “Engraçadinha” em 1995. Estas séries traziam diferentes aspectos sobre o feminino, abrindo espaço para que este público pudesse ter voz para falar sobre seus desejos e sobre o espaço que desejava ocupar. Hilda Furacão, contudo, foi mais longe ao tratar não apenas de um tema intimista, mas mostrar como este se inseria como um debate social e político.
Os Anos 1950
O período em que a série é ambientada, os anos 1950, já havia sido retratado em outras produções, como “Anos Dourados“, mas sempre com uma abordagem em torno dos costumes e das relações amorosas. Em “Hilda Furacão” a abordagem se foca no aspecto social e político daquele momento, marcado por grandes mudanças sociais e culturais no Brasil.
A década de 1950 foi um momento de transição, caracterizado pelo crescimento urbano e industrial, a modernização da sociedade e a influência crescente da cultura estrangeira, especialmente dos Estados Unidos. Este foi também um período de intensa atividade política e social. O Brasil estava se recuperando da Segunda Guerra Mundial e entrando em uma era de otimismo econômico conhecido como o “milagre econômico”. Belo Horizonte, onde grande parte da trama se desenrola, estava em pleno desenvolvimento, transformando-se em um centro urbano vibrante. Ao mesmo tempo surgiam movimentos políticos que ganhavam força, como o partido comunista, do qual o próprio autor faz parte.
Sob o Olhar de um Comunista
A história de Hilda Furacão é narrada pelo olhar do jovem jornalista Roberto Drummond, que além das atividades que desempenha para o jornal “Diário de Minas”, também participa de uma célula comunista clandestina. Desde o primeiro momento em que ele vê Hilda, ainda no tradicional clube mineiro “Minas Tênis“, sente um interesse crescente que parte do fascínio por sua beleza, mas que vai além ao perceber a dimensão representativa e o potencial político que ela possui. O emprego no jornal o coloca mais próximo de Hilda, com a incumbência de descobrir os motivos dela ter abandonado seu casamento e ido habitar na zona boêmia da cidade. Mas ainda que não lhe fosse atribuído este trabalho, ele não poderia deixar de escrever sobre ela.
Como estudioso de Lênin e outros teóricos do comunismo revolucionário, Drummond busca compreender a realidade da sociedade em que está inserido para poder romper com suas estruturas e implantar a revolução, assim como seus ídolos fizeram. Assim como Che Guevara e Lênin fizeram. E a personagem de Hilda era uma chave para compreender este mecanismo. Ela tinha rompido com as regras sociais em que que tinha crescido, e assumido uma posição de desafio em relação à sociedade. Mais ainda, ela fazia isso com autoridade e uma boa dose de carisma, sendo ela própria a agente de uma revolução em curso.
Através da crise que se instala em BH, ele consegue analisar todos os pontos estruturais da sociedade mineira. A moral defendida pelas ruas durante o dia era esquecida pelos homens que se beneficiavam dos prazeres oferecidos pela zona boêmia à noite. Mas não é apenas a hipocrisia que a narrativa de Drummond apresenta em sua visão fria e analítica sobre a sociedade mineira. Sua narrativa, que poderia ser centrada apenas em sua personagem principal, se quebra em dezenas de narrativas menores de personagens que representam o que de virtuoso ou não a sociedade possuía.
Essa forma de contar uma história, semelhante a outros escritores ligados a movimentos sociais como Victor Hugo e Jorge Amado, servia para mostrar que a realidade não é feita a partir de alguns poucos protagonistas, mas que era fruto de um trabalho coletivo. Hilda Furacão, assim, deixa de ser sobre Hilda Muller, e passa a ser sobre a sociedade mineira e seus pontos de fragilidade, que são expostos sem clemência pelo olhar do jornalista.
Considerações Finais
“Hilda Furacão” é uma obra importante da teledramaturgia brasileira, sendo responsável por novos rumos tomados pelas séries produzidas pela Rede Globo. Ao dar espaço para debates políticos mais relevantes, a série acertou em cheio, ganhando relevância na construção do pensamento crítico. Os atores escolhidos para os papéis principais sustentam o interesse do público, que consegue sentir sua angústia e desespero, e torce por um final feliz que demora a chegar. E esse talvez seja o ponto fraco da minissérie.
Embora inove em alguns aspectos, a narrativa de “Hilda Furacão” ainda é típica de uma novela, arrastando situações por muitos capítulos, como a indecisão do Frei Malthus sobre o que fazer com o sapato de Hilda. A inserção de várias subtramas, embora possa ser considerado válido por preservar a intenção do autor, não é explorada como deveria. A maioria dos personagens estão ali claramente como coadjuvantes do casal principal, mas não deixam de ter seu brilho devido ao talento dos atores, como Rogério Cardoso e Sérgio Loroza. Mas Wolf Maya não nos deixa esquecer que é sobre Hilda a trama da minissérie. Outros autores, como Benedito Rui Barbosa, mostraram ser capazes de criar tramas nas quais os personagens coadjuvantes conseguem ser tão relevantes quanto os principais, mas não é realmente uma tarefa fácil.
Dentro da proposta da minissérie, é interessante notar que todos os personagens parecem ser prisioneiros de estruturas criadas pela sociedade, e nisso se reconhece a assinatura da análise marxista de Roberto Drummond. Hilda, sua protagonista, trazia a tristeza de alguém que alcança tudo que uma jovem poderia querer – ganhou prêmios por sua beleza, frequentava o “Minas Tênis”, ia se casar com um rapaz com um futuro profissional promissor -, mas não sentia significado em nenhuma de suas realizações. Para se livrar de sua angústia, ela consulta uma cartomante, que lhe coloca dentro de uma outra estrutura: a do destino. Sua saída é também sua nova prisão. Malthus, convencido por sua mãe de que era santo, cresceu sem questionar o destino que lhe tinha sido colocado (não por sua mãe, mas por Deus). Todos os demais personagens vivem dentro de estruturas sociais difíceis de romper, apenas reproduzindo as regras existentes. Essa prisão conceitual, essa armadilha, é o que gera angústia aos personagens, que ou se submetem a ela ou aceitam o sofrimento necessário para romper com ela a duros sacrifícios.
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