Você sabe o que é comunismo?
O comunismo, ou socialismo, tem sido um tema recorrente nos últimos anos, tanto nas redes sociais como nas discussões políticas. É muito comum perceber, contudo, que pouco se sabe sobre ele, seja por parte de quem o detrata ou até mesmo de quem o defende.
A razão para este desconhecimento deve-se, em parte, à própria evolução histórica do significado da palavra. Mas envolve, também, a percepção que os diversos atores da peça social tem dos fatos ligados ao comunismo.
Quem lida com questões sociais complexas como luta por direitos igualitários, ou milita em ações sindicais, tende a associar o termo comunismo a um ideal de sociedade sem exploração.
Outros que lutam para prosperar no mercado como empreendedores ou que se beneficiam do sistema capitalista como ele está, tendem a associar o termo comunismo à ameaça do fim da propriedade privada.
Existem, ainda, questões filosóficas e religiosas. O comunismo historicamente se pronunciou contra entidades eclesiais por considerá-las instrumentos do estado aristocrático e burguês. Assim, criou-se o significado anti-Deus que ele carrega e assombra religiosos de todo o mundo.
O termo comunismo, contudo, não possuía todos estes significados quando foi pensado no século XIX. E apesar de ser impossível desassociar a palavra de seu arcabouço histórico, é importante conhecer as nuances de sua criação. Afinal, o termo comunismo surgiu como uma resposta possível a questões econômicas e sociais que ainda não foram solucionadas.
Karl Marx, Friedrich Engels e as origens do Comunismo
Karl Marx foi um filósofo, economista e cientista social alemão do século XIX, nascido em 1818. Ele dedicou sua vida ao estudo crítico da sociedade capitalista, destacando as contradições e desigualdades inerentes ao sistema. As ideias de Marx surgem em oposição a um outro filósofo anterior a ele, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que enfatizava a importância das ideias no desenvolvimento histórico.
Marx criticou Hegel, argumentando que as relações de produção e a base material da sociedade são os principais impulsionadores das mudanças sociais. Ou seja, o motor da história é acionado pelas mudanças econômicas da sociedade, pela luta entre quem produz e quem detém os meios de produção, e pelas relações sociais envolvidas nessas relações de produção. Qualquer ruptura histórica ensejaria, assim, uma mudança neste processo. Sentindo o potencial revolucionário desta nova forma de pensar, que ficaria conhecido como materialismo histórico, Marx declararia:
“Os Filósofos até hoje interpretaram o mundo, cabe agora transformá-lo”
Karl Marx – 11.ª tese sobre Feuerbach,
Marx se opunha, assim, a Hegel, e também a outros pensadores de sua época. Ao mesmo tempo, ganhava aliados que possuíam afinidade com sua análise da realidade. O mais notório deles, certamente, foi Friedrich Engels. Nascido em 1820, portanto um pouco mais novo que Marx, foi sempre colaborador assíduo deste. Sua parceria resultou em obras significativas, incluindo o “Manifesto Comunista, “O Capital” e diversos outros escritos.
Engels, assim como Marx, compartilhava a preocupação com as injustiças sociais decorrentes do capitalismo. Juntos, desenvolveram a base teórica do comunismo como uma resposta necessária às relações de exploração entre as classes burguesas e proletárias geradas pelo capitalismo. Enfatizavam, em seus escritos, a necessidade de uma revolução proletária para alcançar uma sociedade sem classes.
O “Manifesto Comunista”
A colaboração entre Marx e Engels rendeu muitos trabalhos teóricos de análise do capitalismo, sendo os mais conhecidos deles o “Manifesto Comunista” e a obra gigantesca chamada “O Capital”.
O “Manifesto Comunista”, escrito em 1848, possui um aspecto mais panfletário e ideológico. Nele os autores fazem uma análise da história da sociedade desde as comunidades primitivas até o período de revolução industrial no qual estão inseridos. Enfatizam que em todos os tempos a luta de classes tem sido a força motriz para as mudanças históricas. Eles analisam a relação entre a burguesia, que detinha os meios de produção (as máquinas e as fábricas) e o proletariado, que trabalhava para os burgueses, destacando o processo de exploração existente nesta relação.
O capitalismo no texto de Marx
Segundo eles toda relação social se torna uma relação mercantil dentro do capitalismo, transformando o próprio trabalhador em uma mercadoria. O salário, neste contexto, é o instrumento alienante deste processo, pois estabelece um valor pelo trabalho do proletário. No entendimento de Marx, ao atribuir um valor monetário ao trabalho este se transforma numa mercadoria.
Ocorre, contudo, que existe uma diferença flagrante entre o valor da mercadoria gerada pelo trabalhador e o valor do salário que ele recebe por tê-la feito. Essa diferença, que Marx chamará de “mais-valia”, é o que fica com o dono dos meios de produção. Este nada produz, mas se beneficia do valor gerado pelo outro simplesmente porque possui os meios para produzi-la. Tal situação só poderia se resolveria, segundo o texto, através de um ato revolucionário na qual o proletariado se uniria para derrubar a burguesia, assumir o comando dos meios de produção, e formar uma nova sociedade, sem classes, baseada no bem comum: o comunismo.
O manifesto conclui estabelecendo medidas práticas para tornar este ato revolucionário algo permanente, e não uma mera revolta que as forças burguesas poderiam desfazer. Uma das primeiras medidas é a abolição da propriedade privada, pois tanto os meios de produção como a mercadoria produzida pertenceriam ao coletivo. Também previa questões relativas ao tributo, à educação gratuita e à formação de um exército industrial.
Recepção do Texto e Influências Históricas
O texto causou reações diversas na sociedade da época. Enquanto alguns intelectuais reconheceram a importância do manifesto, outros o repudiaram como subversivo e perigoso. Entre estes estão, evidentemente, setores ligados à burguesia e às instituições aristocráticas, que temiam revoltas influenciadas pelo manifesto. De fato o ano de 1848 foi palco de muitas movimentações revolucionárias, entre elas a que culminou com a queda do regime monárquico em Paris e na proclamação da Segunda República Francesa. O desenrolar deste movimento levou ao enfrentamento, alguns meses depois, entre os trabalhadores e o governo republicano.
Este primeiro movimento de reação dos trabalhadores ressurgiria em 1871 na forma do que ficou conhecido como a Comuna de Paris. Nesta a classe trabalhadora de Paris se rebelou contra o governo e instituiu um modelo de autogestão local. O controle da cidade esteve nas mãos do proletariado por dois meses, num pequeno experimento socialista prático. A repressão a este movimento levou à execução sumária de vários de seus participantes. Marx, que estava em Londres na época, escreveria o texto “A Guerra Civil na França” relatando os fatos e tecendo elogios aos parisienses revolucionários. É, provavelmente, o texto mais emocional escrito por ele.
Dissecando o capitalismo
Voltando a 1848, em meio a todo o movimento político e revolucionário que surgia, Marx e Engels sentiram que era necessário estabelecer bases mais sólidas para a teoria do comunismo. Iniciaram, então, uma minuciosa análise do capitalismo. Este trabalho se consolidaria na obra chamada “O Capital”. Marx iniciou sua escrita por volta de 1850 e continuou escrevendo até o leito de morte, em 1883.
No texto ele dissecaria e explicaria com pormenores como funcionava o capitalismo, e todos os seus mecanismos de exploração. Sua leitura nem sempre é fácil, pois Marx é extremamente técnico em sua análise. Mas para quem estiver disposto a conhecer melhor o capitalismo, é uma obra fundamental. Aqui estão alguns dos pontos principais, que retomam conceitos já utilizados em suas obras anteriores:
Teoria do Valor-Trabalho e da Mais-Valia
Estes são dois conceitos centrais na teoria de Marx. Ele sustenta que o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho médio requerido para sua produção. No entanto, o valor criado pelo trabalhador durante o processo de produção, chamado de Mais-Valia, excede o valor do salário pago. Essa diferença entre o valor criado pelo trabalho e o valor pago como salário representa a exploração do trabalhador pelo capitalista, e é desta fonte que eles extraem o seu lucro.
Acumulação de Capital
Marx explora o processo de acumulação de capital, descrevendo como os capitalistas reinvestem seus lucros para expandir seus negócios. Ele argumenta que isso leva à concentração de riqueza nas mãos de poucos, exacerbando as desigualdades sociais.
Alienação
Segundo Marx a alienação ocorre quando os trabalhadores se sentem separados do produto de seu trabalho e do processo de trabalho em si. Isso resulta da natureza capitalista da produção, onde os trabalhadores são tratados como meros meios de produção.
Tendência à Crise
Marx aborda a tendência do capitalismo em direção a crises cíclicas, argumentando que são resultado das contradições internas do sistema, incluindo a queda da taxa de lucro. Isso acontece porque a quantidade de mercadorias produzidas cresce a cada ciclo, resultado dos reinvestimentos. Contudo o mercado de consumo possui limites. A queda na taxa de lucros é, portanto, a consequência lógica.
Ao explorar as contradições do sistema capitalista Marx está empenhando-se em mostrar como ele tende ao desastre, iminente ou não. Justifica, assim, a implantação de um outro sistema mais justo e estabelecido em bases mais sólidas e científicas: o comunismo. Este, contudo, não teria como ser implantado sem uma revolução, pois os burgueses que detinham a máquina produtiva não desistiriam de seus lucros voluntariamente.
Como seria a sociedade comunista?
A sociedade comunista seria uma sociedade sem classes e sem propriedade privada. Os meios de produção (fábricas, terras, recursos naturais) se tornariam propriedade comum da comunidade. Isso eliminaria a divisão entre capitalistas e trabalhadores.
Sem a existência de propriedade privada dos meios de produção, as classes sociais desapareceriam. Não haveria mais a distinção entre a classe capitalista (burguesia) e a classe trabalhadora (proletariado). Marx vislumbrava uma sociedade na qual todos teriam acesso igual aos recursos e oportunidades. A exploração do trabalho seria, assim, eliminada.
Na sociedade comunista, o trabalho seria realizado de maneira livre e associada. Isso significa que as pessoas não estariam sujeitas à coerção econômica, e o trabalho seria uma atividade cooperativa baseada na satisfação das necessidades da comunidade.
“De cada um, conforme sua capacidade; a cada um, conforme suas necessidades”
Princípio, mencionado por Marx em “Crítica ao Programa de Gotha”. Reflete a ideia de que, na sociedade comunista, as pessoas contribuiriam com seu trabalho de acordo com suas habilidades e receberiam bens e serviços de acordo com suas necessidades.
Marx previa que, na sociedade comunista, o Estado perderia sua função coercitiva, tornando-se uma entidade que representa os interesses comuns. Com o tempo, a necessidade de um governo repressor diminuiria, culminando em um estado de coisas em que o Estado se tornaria desnecessário.
A sociedade comunista proporcionaria o ambiente para o pleno desenvolvimento das capacidades individuais. Ao eliminar as barreiras econômicas e sociais, as pessoas teriam a liberdade de buscar seus interesses, talentos e paixões.
Ponderações sobre o comunismo
Esses ideais da sociedade comunista contrastavam, assim, com a realidade de exploração capitalista do século XIX, e fomentavam a ideia de uma revolução que tornassem-na possível. As experiências históricas que viriam no próximo século mostrariam, contudo, que era mais difícil do que parecia alcançar os ideais sonhados por Marx. O processo histórico que poderia levar a uma sociedade ideal passaria por muitos outros tipos de revolução, segundo alguns pensadores que continuaram o legado de Marx, como Edward Thompson, Antonio Gramsci e Chistopher Hill, que analisaram também a importância do aspecto cultural e educativo para alcançar os ideais socialistas.
Apesar desse aparente fracasso, contudo, é importante ressaltar que muito do ideal marxista foi alcançado nesta busca, como os direitos trabalhistas, a educação financiada pelo Estado e o desenvolvimento de cooperativas de trabalho. Estas pequenas vitórias podem ser entendidas como concessões do mundo capitalista para continuar com seu processo de alienação, mas também como sinalizadores de um processo histórico em constante progressão.
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