O Auto da Compadecida – A obra clássica de Ariano Suassuna em sua melhor versão
“O Auto da Compadecida” em poucas palavras …
O Auto da Compadecida é uma comédia baseada na obra de Ariano Suassuna. A história se desenrola em uma pequena cidade do sertão nordestino, acompanhando as peripécias de João Grilo e Chicó, dois amigos pobres que se envolvem em situações hilárias. A trama mescla elementos do folclore brasileiro, como o cangaceirismo e a religiosidade popular, criando uma narrativa única e repleta de humor.
Ao longo do filme, os personagens enfrentam desafios, trapalhadas e dilemas morais, proporcionando uma reflexão sobre a vida e a justiça. A Compadecida, figura mística, testemunha os acontecimentos, entrelaçando o cotidiano dos protagonistas com elementos sobrenaturais.
Ficha Técnica
“O AUTO DA COMPADECIDA” (2000)
DURAÇÃO DO FILME
104 minutos
DIRETOR
Guel Arraes
ELENCO
Matheus Nachtergaele (João Grilo), Selton Mello (Chicó), Rogério Cardoso (Padre João), Lima Duarte (Bispo), Fernanda Montenegro (Compadecida), Marco Nanini (Capitão Severino de Aracaju), Denise Fraga (Dora), Diogo Vilela (Eurico), Paulo Goulart (Major Antônio Noronha de Brito Morais), Enrique Díaz (Cangaceiro “Cabra”), Luís Melo (Diabo), Maurício Gonçalves (Jesus Cristo/Emanuel) e outros.
PRÊMIOS
Ganhou diversos prêmios, incluindo o Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro de Melhor Filme e Melhor Ator (Matheus Nachtergaele).
Análise de “O Auto da Compadecida”
“O Auto da Compadecida” é um dos filmes mais queridos e importantes do cinema brasileiro, baseado na peça homônima de Ariano Suassuna. Lançado em 2000, o filme dirigido por Guel Arraes combina comédia, drama e elementos de crítica social, trazendo à tela uma representação vívida do Nordeste brasileiro. Selton Mello e Matheus Nachtergaele dão vida aos clássicos personagens de Suassuna, Xicó e João Grilo, conquistando tanto a crítica quanto o público com suas atuações sensíveis e hilárias.
Contexto de Produção e Lançamento
“O Auto da Compadecida” foi produzido em um período de revitalização do cinema brasileiro. Nos anos 90, após um período de crise, o cinema nacional começou a se reerguer com o apoio de novas políticas de incentivo e a crescente profissionalização da indústria cinematográfica. O filme foi uma coprodução entre a Globo Filmes e a Lereby Produções, sendo inicialmente lançado como uma minissérie na TV Globo em 1999, antes de ser editado e lançado como um longa-metragem em 2000.
A escolha de adaptar a obra de Suassuna reflete um momento em que o cinema brasileiro buscava valorizar e explorar sua própria cultura e literatura. A peça, escrita em 1955, já era considerada um clássico do teatro brasileiro, reconhecida por sua mistura de elementos populares com uma estrutura narrativa sofisticada e influências da literatura de cordel.
Período Histórico Retratado no Filme
O filme é ambientado no Nordeste brasileiro na década de 1930. Este período é marcado por profundas desigualdades sociais, seca, e a luta pela sobrevivência de muitos nordestinos. O sertão, com suas dificuldades e suas belezas, é mais do que um cenário; é um personagem integral que molda a vida e as atitudes dos protagonistas.
Trama e Personagens Principais
João Grilo (Matheus Nachtergaele)
João Grilo é um personagem astuto e engenhoso, que usa sua inteligência para sobreviver em um ambiente hostil. Ele é um típico anti-herói nordestino, representando a sagacidade e a resiliência do povo sertanejo.
Chicó (Selton Mello)
Chicó, o melhor amigo de João Grilo, é um contador de histórias inveterado e um tanto covarde. Sua ingenuidade e suas histórias fantásticas contrastam com a esperteza pragmática de João Grilo.
Padre João (Rogério Cardoso) e Bispo (Lima Duarte)
Representando a Igreja Católica, esses personagens satirizam a hipocrisia e a corrupção dentro da instituição religiosa, um tema recorrente na obra de Suassuna.
Severino (Marco Nanini)
O cangaceiro Severino é uma figura que encarna a violência e a lei do mais forte, comuns no sertão da época.
Nossa Senhora (Fernanda Montenegro)
Em uma representação inusitada, Nossa Senhora aparece como uma figura compassiva e justa, contrastando com o severo Diabo (Luis Melo) durante o julgamento final dos personagens.
Elementos Representativos do Período
Sertão Nordestino
A ambientação no sertão é crucial para a narrativa. O filme mostra a aridez, a pobreza e a luta constante pela sobrevivência, mas também a cultura rica e a criatividade do povo nordestino.
Cangaço e Violência
O cangaço, movimento de banditismo social que marcou o Nordeste no início do século XX, é representado pelo personagem de Severino. A presença de cangaceiros ressalta a falta de autoridade estatal e a justiça feita com as próprias mãos.
Religião e Superstição
A religiosidade popular e as práticas supersticiosas são elementos centrais no filme. A fé católica, misturada com crenças populares, é retratada de forma crítica e cômica, mostrando a influência da Igreja na vida das pessoas.
Literatura de Cordel
A influência da literatura de cordel, com suas narrativas rimadas e suas ilustrações típicas, é visível na estrutura do filme. O uso de uma narrativa episódica e a presença do narrador (Denis Carvalho) evocam o estilo dos folhetos de cordel.
Humor e Crítica Social
O filme usa o humor para criticar a desigualdade social, a corrupção e a hipocrisia religiosa. As peripécias de João Grilo e Chicó servem para expor as falhas das instituições e a luta dos marginalizados.
Recepção Crítica e Impacto Cultural
O filme foi amplamente aclamado pela crítica, ganhando diversos prêmios, incluindo o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Sua mistura de comédia, crítica social e elementos culturais brasileiros ressoou com o público, tornando-o um sucesso de bilheteria e um marco no cinema nacional.
Reflexões Contemporâneas
Mesmo ambientado em um período histórico específico, “O Auto da Compadecida” aborda temas universais e atemporais. Questões como desigualdade, injustiça e a luta pela sobrevivência são tão relevantes hoje quanto eram na década de 1930. A engenhosidade e a resiliência dos personagens principais refletem a capacidade do ser humano de encontrar humor e esperança mesmo nas situações mais adversas.
Considerações Finais
“O Auto da Compadecida” teve o mérito de conseguir tornar ainda melhor a experiência de conhecer a história de Suassuna, que já era um clássico. O texto, uma combinação de humor, crítica social e riqueza cultural, oferece um retrato profundo e envolvente do Nordeste brasileiro, mas como é escrito em formato de pela de teatro torna-se pouco acessível ao público. Vale lembrar que a peça já teve outras adaptações anteriores, inclusive uma com o quarteto “Os Trapalhões”, mas esta foi a versão que ficou marcada na memória popular.
Através das aventuras de João Grilo e Chicó, o filme explora as complexidades da vida no sertão, criticando instituições e celebrando a resiliência e a criatividade do povo nordestino. A cutucada de colocar Jesus como um homem negro é a última das cartadas da obra, que continua relevante tanto tempo depois. Lançado em 2000, foi mais um ponto forte que serviu para revitalizar o cinema nacional. “O Auto da Compadecida” é um entretenimento de alto nível, mas também é uma aula de história e cultura nordestina e, por que não, do que nos faz humanos.
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