Na melhor tradição Byroniana, “O Morro dos Ventos Uivantes” é uma história de amor gótico e trágico como só os ingleses seriam capazes de fazer
Tempo de Leitura: 9 minutos
“O Morro dos Ventos Uivantes” em poucas palavras …
“O Morro dos Ventos Uivantes” é uma adaptação cinematográfica do clássico romance homônimo de Emily Brontë. A autora conta a história de dois personagens cativantes: Catherine Earnshaw e Heathcliff. Dois amigos de infância que se tornam amantes e são separados por circunstâncias sociais que acabam por desencadear consequências trágicas.
Catherine é a filha mais nova do casal Earnshaw, e sua família mora da propriedade chamada Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights). Seu irmão mais velho, Hindley, tinha oito anos quando ela nasceu.
Alguns anos depois, seu pai faz uma viagem e retorna trazendo um menino órfão que parece ter origem cigana. Este passa a morar com eles, gerando sentimentos diferentes nos dois irmãos – seu nome era Heathcliff.
Cathy, como é chamada, se afeiçoa ao menino, mas seu irmão Hindley sente ciúmes da maneira afetuosa como o pai o trata. Quando o Sr. e a Sra. Earnshaw morrem, o irmão mais velho se torna responsável pela propriedade, e passa a maltratar Heathcliff.
Anos mais tarde, apesar do amor que sentia por Heathcliff, Cathy escolhe se casar com Edgar Linton, um jovem de família mais rica, que lhe garantiria uma vida mais confortável e de prestígio. Heathcliff vai embora amargurado, mas retorna anos depois rico, e disposto a vingar-se de todos os que o traíram.
Ficha Técnica
“O Morro dos Ventos Uivantes” (2011)
Nome Original: “Wuthering Heights”
Duração do Filme:
Aproximadamente 129 minutos
Diretor:
Andrea Arnold
Elenco
Kaya Scodelario (Catherine Earnshaw), Shannon Beer (Catherine jovem), James Howson (Heathcliff), Solomon Glave (Heathcliff jovem).
Prêmios
O filme recebeu reconhecimento em festivais de cinema, incluindo o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cinema de Veneza em 2011.
Onde Assistir: DVD
Análise de “O Morro dos Ventos Uivantes”
Uma história de amor gótico como só os ingleses seriam capazes de fazer
A história de “O Morro dos Ventos Uivantes” chegou para mim através de uma cena inspirada na qual o ator Luís Melo, na pele do professor Rubinho (Cara & Coroa – Novela da Rede Globo de 1995) contava a trágica história de um amor impossível, muito similar à trama de seu próprio personagem. Ator de teatro, Melo soube dar todo o valor e brilho àquela cena pequena, mas fantástica. E assim a semente estava plantada dentro de mim, jovem leitor apaixonado por grandes histórias. Devorei as mais de quinhentas páginas daquele romance gótico, e nunca mais esqueci as emoções que experimentei enquanto lia a trágica história de Emily Brontë.
Muitos anos depois descobri as versões para o cinema do livro, mas demorei até ter coragem de assistir qualquer uma delas. Tinha medo que tirassem de dentro de mim as imagens tão vivas que tinha de cada personagem. Mas em 2011 uma nova versão foi lançada, prometendo rever os conceitos originais do livro, e isso chamou minha atenção. Tinha agora em mãos uma versão que desafiava o que eu sabia sobre o livro. Pensei então que enfim poderia sacrificar um pouco de minha experiência em favor de algo realmente novo.
Produção
A versão de 2011 do clássico “O Morro dos Ventos Uivantes”, dirigido por Andrea Arnold, oferece uma visão contemporânea e inovadora da história clássica de amor e vingança, centrando-se na relação tumultuada entre Heathcliff e Catherine Earnshaw. O que distingue, a princípio, esta versão das demais é a sua abordagem visceral e naturalista, e não tão romântica quanto as anteriores, mas sem fugir do texto que a inspira. A experiência cinematográfica enfatiza a brutalidade e a paixão crua do romance original, que já tinha sido adaptada várias vezes para o cinema sob outras perspectivas.
Na década de 2010, houve uma onda de filmes e séries de televisão que buscavam reinventar histórias antigas para audiências contemporâneas, explorando temas atemporais de maneiras inovadoras. A produção deste filme ocorreu no Reino Unido, principalmente nas áreas rurais de Yorkshire, onde o romance original é ambientado. A escolha das locações foi importante para capturar a atmosfera sombria e tempestuosa que é fundamental para a narrativa.
A produção de “O Morro dos Ventos Uivantes” foi feita em locações reais, o que contribuiu muito para a autenticidade e a sensação de isolamento do filme. As fazendas e as charnecas de Yorkshire proporcionam um cenário perfeito para a história, com o clima frequentemente severo e imprevisível adicionando uma camada extra de desafio para os personagens. Esta abordagem naturalista e imersiva é uma marca registrada do estilo de Arnold, que busca capturar a verdade emocional e física de seus personagens e ambientes.
Robbie Ryan, o diretor de fotografia, usa uma câmera de mão para criar uma sensação de intimidade e movimento constante, refletindo a instabilidade emocional dos personagens. As imagens capturam a beleza áspera da paisagem de Yorkshire, com sua natureza indomada espelhando a turbulência interior dos personagens.
A trilha sonora e o design de som do filme também merecem destaque. Em vez de uma trilha sonora tradicional, Arnold opta por usar sons naturais – o vento, a chuva, os passos nas folhas – para criar uma sensação de imediatismo e imersão. Este uso inovador do som ajuda a mergulhar o espectador na experiência dos personagens, fazendo com que o ambiente pareça quase um personagem em si.
Contexto Histórico
A história de “O Morro dos Ventos Uivantes” se passa na Inglaterra rural, aproximadamente no final do século XVIII e início do século XIX. Este período é caracterizado por grandes mudanças sociais e econômicas, com a Revolução Industrial começando a transformar a paisagem e a vida das pessoas. No entanto, o romance e o filme focam principalmente na vida pessoal e nas relações humanas, alheias às mudanças econômicas mais amplas, destacando um ambiente rural isolado e atemporal. Elementos mais práticos, como a origem da fortuna de Heathcliff, são deixados de lado, não sendo relevantes para a trama.
Similar a “O Conde de Monte Cristo“, do francês Alexandre Dumas, o livro de Emily Brontë se centra na trama principal, concedendo fortuna ao personagem humilhado e traído e invertendo as posições de poder na trama. Mas se a história de Edmond Dantès é cheia de aventuras, e traz uma possibilidade de redenção, a de Heathcliff é sombria e destruidora.
O próprio mistério em torno da origem da fortuna já torna o personagem mais perigoso, pois não se sabe o que ele pode ter feito para consegui-la, mas fica claro por suas ações ao retornar que ele não possuía limites para conseguir a vingança que ardia em sua alma. As paixões intensas e devoradoras são a tônica do romance de Emily Brontë.
Diferenças na versão de 2011
A representação dos personagens em “O Morro dos Ventos Uivantes” de 2011 é uma das principais inovações do filme. Heathcliff, tradicionalmente interpretado como um personagem caucasiano, é retratado por Solomon Glave e James Howson, dois atores negros. Esta escolha sublinha as temáticas de alteridade e exclusão social presentes no romance, trazendo uma nova camada de interpretação à história.
A relação entre Heathcliff e Catherine, interpretada por Shannon Beer e Kaya Scodelario, é retratada com uma intensidade que enfatiza a natureza quase primitiva de seu amor e ódio, sendo nisso muito mais fiel ao romance de Emily Brontë.
A narrativa do filme explora os temas de paixão destrutiva, vingança e a influência do ambiente sobre os personagens. A relação tumultuada entre Heathcliff e Catherine é o coração da história, mostrando como suas emoções intensas e incontroláveis afetam todos ao seu redor. A escolha de Arnold de focar em aspectos mais sensoriais e menos dialogados da história proporciona uma experiência mais intensa, destacando a brutalidade da vida rural e as emoções cruas dos personagens.
Além das questões raciais e de alteridade, o filme também explora profundamente as dinâmicas de poder e abuso. A relação entre Heathcliff e os Earnshaws é marcada por uma hierarquia rígida e pela crueldade, refletindo as tensões sociais e econômicas da época. A maneira como Heathcliff é tratado e sua subsequente busca por vingança ilustram as consequências devastadoras do abuso e da exclusão.
Recepção do Filme
A versão de 2011 de “O Morro dos Ventos Uivantes” foi bem recebido por sua abordagem corajosa e inovadora, embora tenha gerado controvérsias devido às suas divergências estilísticas em relação a adaptações anteriores e à escolha de elenco. A performance dos atores, especialmente a representação de Heathcliff por Solomon Glave e James Howson, foi elogiada por trazer uma nova profundidade ao personagem.
A direção de Andrea Arnold foi reconhecida por sua capacidade de capturar a brutalidade e a beleza da história de Brontë, explorando os sentidos através da fotografia e da montagem de som de uma maneira que ressoa com audiências contemporâneas.
Considerações Finais
“O Morro dos Ventos Uivantes” de 2011 é uma adaptação ousada e inovadora do clássico de Emily Brontë. Lançado em um período de renovado interesse por adaptações literárias, o filme se destaca por sua abordagem visceral e naturalista, sua escolha de elenco não convencional e seu foco na brutalidade e paixão crua da história original.
A produção no Reino Unido, especialmente nas charnecas de Yorkshire, proporciona um cenário autêntico que amplifica a intensidade emocional da narrativa. Com uma direção arrojada e performances impactantes, o filme oferece uma nova perspectiva sobre um romance atemporal, destacando temas de amor, vingança, alteridade e a influência indelével do ambiente sobre os personagens.