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O Mistério da Rainha Cleópatra

Cultuada ou odiada, amada ou temida, grega ou africana, deusa ou mulher, que mistérios cercam a vida da Rainha Cleópatra, a última Faraó do Egito?

Rainha Cleópatra – A Última Faraó do Egito

Cleópatra é, sem dúvida, a mais famosa de todas as rainhas da história. Sua imagem de poder fascinou e inspirou reis e movimentos, e gera polêmicas até hoje. Mas parte do que fascina na rainha Cleópatra está bem além de sua própria história pessoal. Sua posição singular mostra como era rica a cultura egípcia, e ao mesmo tempo como foi trágico para o mundo que toda essa cultura tenha sido destruída por guerras e disputas de poder. Cultuada ou odiada, amada ou temida, grega ou africana, deusa ou mulher, que mistérios cercam a vida da última faraó do Egito?

Origem Grega da Rainha Cleópatra

A história da Rainha Cleópatra começa bem antes de seu nascimento, com uma dinastia grega que governou o Egito após o período de conquistas de Alexandre, o Grande, da Macedônia. A dinastia dos Ptolomeus começou com Ptolomeu I Sóter, um dos generais de Alexandre que, após sua morte em 323 a.C., conseguiu controlar o Egito e fundar uma nova dinastia governante.

Eles governaram o Egito por quase três séculos, de 305 a.C. até a conquista romana em 30 a.C. Ptolomeu consolidou seu poder proclamando-se faraó em 305 a.C. Ao contrário de outros sucessores de Alexandre, Ptolomeu adotou uma política de consolidação em vez de expansão, governando com sabedoria e transformando Alexandria, cidade idealizada por Alexandre que abrigava a famosa biblioteca, em um dos mais mais importantes centros urbanos do mundo antigo.

Os Ptolomeus governaram como faraós, mas sua origem greco-macedônica os diferenciava dos antigos governantes egípcios. Embora adotassem muitos costumes locais, como títulos e rituais religiosos, e se apresentassem como protetores da religião egípcia, os Ptolomeus permaneceram culturalmente gregos. Alexandria, sua capital, tornou-se um centro de cultura helenística, com forte presença de língua grega, filosofia, arte e ciência.

A economia do reino ptolomaico era centralizada, com o estado controlando grande parte das terras e recursos. Os Ptolomeus financiaram grandes obras públicas, como templos e portos, e promoveram o comércio. No entanto, havia uma separação clara entre os governantes gregos e a população nativa egípcia, que frequentemente se encontrava marginalizada do poder político e econômico.

A relação com o povo egípcio

Para o povo egípcio, ser governado pelos Ptolomeus significava viver sob uma dinastia estrangeira. Embora os Ptolomeus tentassem legitimar seu domínio assumindo títulos e praticando rituais egípcios, muitos egípcios viam sua liderança como alienígena. O povo egípcio, de fato, mantinha uma forte identidade cultural e muitas vezes se sentia excluído do poder, que era dominado pela elite greco-macedônica.

Isso levou a frequentes tensões sociais e religiosas. Os camponeses egípcios, por exemplo, sofreram com a pesada carga tributária imposta pela dinastia, e houve períodos de revoltas contra o domínio ptolomaico, especialmente durante os reinados mais fracos. No entanto, os Ptolomeus mantiveram o controle graças a uma burocracia eficaz, a um exército poderoso e ao apoio da classe dirigente grega.

Conflitos e declínio da dinastia

Apesar de um início bem-sucedido, a dinastia ptolomaica começou a declinar devido a lutas internas, intrigas na corte e a crescente interferência de potências estrangeiras, especialmente de Roma. As guerras dinásticas enfraqueceram o reino, enquanto as rivalidades entre os sucessores ao trono levaram a uma situação instável.

Ascensão ao trono de Cleópatra

Nascida em 69 a.C., Cleópatra VII Filopátor, mais conhecida como rainha Cleópatra, foi a última soberana da dinastia ptolemaica a governar o Egito. Diferente da população grega que habitava em Alexandria, e de sua própria família, que depreciavam os cultos e tradições egípcios, Cleópatra se conectava com a cultura do Egito, chegando a falar a língua local e a se apresentar como a encarnação da deusa Ísis.

A questão da etnia de Cleópatra

Uma das controvérsias mais discutidas sobre Cleópatra diz respeito à sua etnia. Tradicionalmente, Cleópatra foi retratada como uma mulher de origem europeia, em linha com sua descendência grega-macedônica. As representações artísticas e históricas, especialmente na era moderna, muitas vezes enfatizaram uma Cleópatra de aparência europeia, com traços somáticos clássicos.

rainha cleópatra
Pintura de 1866, feita pelo pintor francês Jean-Léon Gérôme. A Rainha Cleópatra é retratada com traços caucasianos que remetem a sua herança grega e europeia

No entanto, nos últimos anos surgiu uma nova discussão sobre a identidade étnica de Cleópatra, com alguns estudiosos e ativistas sugerindo que ela poderia ter origem africana, e, portanto, ser negra. Essa teoria se baseia na ideia de que, ao longo dos três séculos de governo ptolemaico, pode ter havido misturas entre os membros da dinastia e as populações locais egípcias ou africanas.

Contrária a esta ideia está o fato de que os Ptolomeus mantinham o costume de casar-se entre membros de sua própria família, limitando as possibilidades de mistura étnica. Colaboram com essa teoria as representações artísticas de Cleópatra provenientes da época romana, assim como os bustos e moedas da época, que geralmente a retratam com traços gregos ou mediterrâneos. No entanto, vale ressaltar que as fontes artísticas antigas eram frequentemente idealizadas e sujeitas aos estilos da época, e, portanto, não podem ser consideradas uma representação fiel de sua real fisionomia.

Ainda que não haja provas definitivas que sustentem a hipótese da etnia africana de Cleópatra, a identificação dela com a cultura e o povo egípcio não podem ser ignorados. Cleópatra transita entre o mundo romano e egípcio com tamanha habilidade política que deixa dúvidas sobre sua verdadeira etnia. Sua identidade, contudo, é claramente com egípcia, o que dá força à hipótese de suas origens africanas.

Tensões Políticas e Aliança com Roma

Cleópatra se tornou rainha do Egito em 51 a.C., aos 18 anos, sucedendo seu falecido pai, Ptolomeu XII. Inicialmente, governou junto com seu irmão mais novo, Ptolomeu XIII, com quem se casou conforme era exigido pela tradição. Esta poderia ser entendida como uma prática para manter a pureza dinástica, grega, mas também como uma expressão da religião egípcia, que via os faraós como representações, ou encarnações, dos deuses Ísis e Osíris.

Na mitologia grega, Osíris governa o mundo após sua criação, e se casa com sua irmã Ísis. No entanto, as tensões políticas entre os dois levaram a uma guerra civil dentro do reino, e Cleópatra foi deposta pelo irmão, sendo exilada. Mas seu destino estava prestes a mudar devido a acontecimentos muito além das areias escaldantes do Egito.

Um antigo aliado romano da família de Cleópatra, Pompeu, tinha se refugiado em Alexandria depois de ser derrotado em uma batalha contra Júlio César. Perseguindo o rival, César chegaria ao Egito em 48 a.C., quando Cleópatra encontrava-se exilada pelo irmão, Ptolomeu XIII. Este, visando alcançar o apoio de César, mandou assassinar Pompeu. A notícia da morte de Pompeu não foi bem recebida por César, que desejava levá-lo vivo para Roma, criando uma situação tensa entre ele o jovem faraó.

Contornando a situação com maestria, Cleópatra conseguiu acalmar o governante romano e iniciar um relacionamento de grande intensidade com ele. César, reconhecendo o potencial político de uma aliança com Cleópatra, decidiu apoiar seu retorno ao posto de governante. Isso levou a uma guerra civil contra Ptolomeu XIII, resultando no evento conhecido como Cerco de Alexandria.

O Cerco e Tragédia de Alexandria

As forças de César, em menor número, se viram encurraladas no palácio real de Alexandria, cercadas pelas tropas de Ptolomeu XIII. A batalha se prolongou por vários meses, e durante o cerco ocorreram confrontos violentos tanto por terra quanto por mar. César teve que lutar não apenas contra o exército de Ptolomeu, mas também contra a hostilidade dos habitantes de Alexandria, que viam a intervenção romana como uma interferência estrangeira.

Em uma tentativa de defesa, César ordenou que a frota de Ptolomeu fosse incendiada no porto de Alexandria. O fogo se espalhou rapidamente e, segundo alguns historiadores antigos como Plutarco, as chamas atingiram também os edifícios próximos, incluindo parte da Biblioteca de Alexandria. Esta abrigava centenas de milhares de rolos e obras únicas provenientes de todo o Mediterrâneo. Junto com Alexandria queimava, assim também, boa parte do conhecimento desenvolvido até então pela humanidade.

O cerco terminou com a vitória de Júlio César. Ptolemeu XIII morreu durante a batalha, e Cleópatra, com a ajuda de César, conseguiu consolidar seu poder como única soberana do Egito, governando inicialmente ao lado de seu irmão mais novo, Ptolomeu XIV. A relação pessoal entre César e Cleópatra, que começou durante esses eventos, teve repercussões políticas significativas, resultando no nascimento de seu filho Cesarião.

Sua relação com Júlio César, um dos homens mais influentes de Roma, foi crucial para seu retorno ao trono. Após encontrar-se com César em Alexandria, Cleópatra se tornou sua amante e juntos tiveram um filho, Cesarião. Com o apoio militar de César, Cleópatra conseguiu derrotar as forças de Ptolemeu XIII e consolidar seu papel como única rainha do Egito.

O governo de Cleópatra

Uma vez estabelecida como soberana, a Rainha Cleópatra se dedicou a fortalecer a posição de seu reino em um Mediterrâneo dominado pelo crescente poder de Roma. Sua inteligência política e habilidades diplomáticas permitiram que mantivesse a independência do Egito em um período turbulento. Além disso, promoveu o desenvolvimento econômico e cultural do reino, favorecendo o comércio e o fortalecimento das infraestruturas.

rainha cleópatra
Após derrotar Ptolomeu XIII, seu irmão, a Rainha Cleópatra assume como a última Faraó

Sua política de governo refletia um claro desejo de se integrar à tradição egípcia, combinando elementos da cultura helenística com os costumes e crenças do antigo Egito. Cleópatra também se dedicou à preservação e promoção do culto egípcio, patrocinando a construção de templos e monumentos relacionados às divindades locais. Isso permitiu que ela deixasse para trás a imagem de rainha estrangeira, como os Ptolomeus até então tinham se colocado, e assumido a identidade de uma verdadeira regente egípcia, uma Faraó.

Mulheres e sua relação com o Poder em Roma e no Egito

Transitando entre Roma e o Egito, a rainha Cleópatra causava grande incômodo na sociedade romana altamente patriarcal. Não era comum para um romano ver mulheres participando de questões de governo, muito menos de forma tão forte e competente. Isso não significava que as mulheres não exercessem poder em Roma, mas sua atuação não ocorria em cargos públicos importantes, e definitivamente não na de governante.

As Mulheres na Roma Antiga

Durante a República Romana, as mulheres eram exclusivamente excluídas da vida política ativa e não tinham direitos de voto. No entanto, muitas mulheres influentes, como Cornélia, mãe dos Gracos, e Lívia Drusila, esposa de Augusto, futuro sucessor de César, exerceram um poder significativo por meio de seus relacionamentos com homens de poder. Frequentemente, as mulheres aristocráticas utilizavam seu status para influenciar decisões políticas e sociais, mesmo que não de forma oficial.

Rainha Cleópatra

As Mulheres no Antigo Egito

No Egito, as mulheres gozavam de uma posição relativamente elevada em comparação a outras culturas antigas. A sociedade egípcia era caracterizada por uma certa paridade de gênero, e as mulheres podiam possuir bens, herdar propriedades e gerenciar negócios. Algumas mulheres, como Cleópatra VII, alcançaram posições de grande poder político e governaram como soberanas. Cleópatra, por exemplo, não só era rainha, mas também uma figura-chave nas relações diplomáticas, principalmente com Roma.

As mulheres egípcias também podiam ocupar papéis religiosos importantes, como sacerdotisas, e participar ativamente da vida religiosa e cultural. Sua influência se estendia também à família, onde frequentemente tinham um papel central nas decisões domésticas e na educação dos filhos.

A Morte de César

As relações internacionais da rainha Cleópatra com Roma dependiam de seu bom relacionamento com César, e perto dele ela realmente parecia exercer muita influência. Cleópatra e César mantinham uma aliança tanto conjugal quanto política, ainda que César também possuísse uma esposa romana. Mas diversas questões levaram o Senado a ficar contra César, sendo uma delas seu envolvimento com Cleópatra e a ameaça de que seu filho se tornasse um governante romano.

César foi, então, executado a facadas em pleno senado romano. Após a morte, Otaviano, seu sobrinho, herdou seu título e sua fortuna. A rainha Cleópatra, por outro lado, não teve seu filho reconhecido como herdeiro, e viu ameaçada sua posição política frente a Roma. Sem César para protegê-la, sua própria vida parecia correr perigo, assim como a de seu filho.

Marco Antônio e Cleópatra

Mas sua relação com outro poderoso líder romano, Marco Antônio, marcaria outra vez sua influência sobre Roma, embora não mais como foi com Júlio César. Essa aliança amorosa gerou filhos que poderiam garantir a continuidade do poder da família de Cleópatra no Egito. Também permitiu que o Egito mantivesse uma posição central nos assuntos mediterrâneos até a batalha de Ácio, em 31 a.C.

As forças conjuntas de Cleópatra e Marco Antônio não foram suficientes para enfrentar o exército romano, que tomou Alexandria sob o comando de Otaviano. Esta vitória consolidou seu poder, dando força para que se tornasse o imperador Augusto. Era o início do Império Romano, e o fim da república.

A Morte da Rainha Cleópatra

Após a derrota, a rainha Cleópatra ficou presa em Alexandria, após Marco Antônio cometer suicídio. Ali ela deveria aguardar até ser conduzida para Roma, onde seria exibida, provavelmente, numa cerimônia pública chamada Triunfo. Neste evento o chefe militar vitorioso exibia para a população de Roma os troféus de sua conquista, podendo consolidar seu poder com a execução dos inimigos, ou seu exílio. Cleópatra não tinha dúvidas sobre o destino que a aguardava, mas temia pelo de seus filhos. E ela tinha razão para temer.

Foi assim que ela decidiu também seguir pelo caminho do suicídio, evitando ser apresentada como troféu de Otaviano, e preservando de alguma maneira a imagem do Egito. Mas seu ato não conseguiu salvar seus filhos. Cesário, ou Cesarião, seu filho com Júlio César, é quem despertava maior temor junto aos romanos. Ele tinha 17 anos quando Cleópatra morreu, e o governo romano temia que ele assumisse uma posição de liderança, uma vez que o próprio Marco Antônio tinha reconhecido publicamente algum tempo antes que ele era filho de César. Assim, algum tempo depois da mãe morrer, Cesário foi assassinado por soldados romanos.

Os filhos de Cleópatra com Marco Antônio: os gêmeos Cleópatra Selene II e Alexandre Hélios, e Ptolomeu Filadelfo II, também seriam alvo do ódio romano. Selene e Alexandre foram expostos no triunfo de Otaviano, sendo humilhados em público. Quanto a Ptolomeu existem poucos registros, levantando a suspeita de que possa ter morrido ainda criança. Dos três, apenas Selene teve um destino digno dos desejos da rainha Cleópatra. Casando-se com um príncipe do norte da África, Juba da Namídia, com o qual governou até pelo menos os 35 anos de idade, quando teria falecido.

Considerações Finais

A morte da rainha Cleópatra, ocorrida em 30 a.C., marca o fim do reino ptolomaico e a anexação do Egito ao Império Romano. As riquezas do Egito passariam a abastecer os cofres de Roma, financiando seu exército e seu luxo. A vitória de Roma não representa, como se poderia pensar, a supremacia de uma civilização sobre outra, mas apenas uma vitória militar. Fica demonstrado por sua vitória que o exército de Roma era, de fato, uma força poderosa no mundo antigo. E infelizmente essa força destruiu boa parte do conhecimento acumulado até em então nas terras conquistadas. O Egito foi mais uma destas perdas, assim como Alexandria, Grécia, e outros territórios nos quais impuseram suas forças.

Apesar da aparente derrota, contudo, a Rainha Cleópatra não seria esquecida tão cedo. Contrário ao que se observa em outros eventos semelhantes, no qual o derrotado é esquecido e apagado da história, ela seria venerada tanto no Egito como em outras partes do mundo pela sua força, inteligência e mistério. A admiração que diversos europeus nutriram por ela ao longo dos séculos fizeram com que a considerassem mais grega do que egípcia, dando-lhe feições quase pálidas, num processo de embranquecimento para incluí-la no rol das rainhas brancas.

Mais recentemente, houve um movimento contrário que buscou enegrecer Cleópatra, reafirmando suas origens egípcias. Também houve um resgate dela como heroína, já que a história herdeira de Roma sempre a retratou como sedutora. Essa guerra de narrativas, contudo, só realça a importância dela no panorama histórico. O cinema a imortalizou no rosto de Liz Taylor, no clássico “Cleopatra” de 1963, como uma rainha com feições europeias em meio a uma crise política internacional e uma trama romântica. Novos trabalhos, contudo, buscam apresentar Cleópatra mais integrada ao Egito, tanto cultural quanto geneticamente, como o documentário “Queen Cleopatra“, disponível na NETFLIX.

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Elizabeth Taylor como a Rainha Cleópatra, no clássico de 1963

Cleópatra entrou para a história como uma rainha astuta e carismática, e também como um símbolo de poder feminino e fascínio. Sua figura foi imortalizada na literatura, na arte e no cinema, contribuindo para a criação do mito da rainha Cleópatra como uma das mulheres mais icônicas da antiguidade, cuja história mal começamos a conhecer.

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