Robin Hood, com Kevin Costner, é releitura da clássica história dos fatos que antecederam a revolução inglesa com belos takes de câmera
Tempo de Leitura: 15 minutos
“Robin Hood – O Príncipe dos Ladrões” em poucas palavras …
Na Inglaterra do século XII, durante o reinado de Ricardo Coração de Leão, Robin de Locksley (Kevin Costner), um nobre inglês, retorna à sua terra natal após anos lutando nas Cruzadas, acompanhado de seu companheiro de estrada Azeem (Morgan Freeman). Sua chegada, porém, é marcada pela devastação: seu pai foi brutalmente assassinado e suas terras confiscadas pelo tirânico Xerife de Nottingham (Alan Rickman), que domina a região com punho de ferro e opressão.
Foragido e sem aliados, Robin se refugia na densa Floresta de Sherwood, onde encontra um grupo de camponeses e foras-da-lei que, como ele, foram vítimas da injustiça do Xerife. Entre eles está João Pequeno, um homem corpulento mas de bom coração, e outros que veem em Robin a liderança necessária para resistir.
Com a experiência militar adquirida nas batalhas pela Terra Santa, e revoltado com a exploração e a deturpação dos valores defendidos pelo Rei Ricardo, Robin passa a organizar os camponeses, transformando-os em um exército improvisado. Sua motivação envolve a compaixão pelos camponeses e a lealdade ao rei, que demorava para retornar das cruzadas, e ele teme que ao retornar não tenha mais um reino para governar.
Formada a milícia, eles começam a saquear as caravanas dos ricos aliados do Xerife para redistribuir os bens entre os pobres, ganhando fama como “os ladrões de Sherwood”. A sua fama fez com que muitos nobres temessem atravessar a floresta, considerando-a até assombrada.
Em seus ataques a caravanas, Robin reencontra uma antiga conhecida, Lady Marian (Mary Elizabeth Mastrantonio), que a princípio se opõe aos seus atos de banditismo, mas depois se torna uma preciosa aliada. Marian e Robin, contudo, sentem uma conexão que vai muito além do idealismo social. Isso a torna um alvo para o Xerife de Nottingham, disposto a tudo para prender Robin e seus comparsas.
Ficha Técnica
Robin Hood – O Príncipe dos Ladrões (1991)
Nome Original: Robin Hood: Prince of Thieves
Duração: 143 minutos
Diretor: Kevin Reynolds
Elenco Principal:
Kevin Costner como Robin Hood, Morgan Freeman como Azeem, Mary Elizabeth Mastrantonio como Marian, Christian Slater como Will Scarlett, Alan Rickman como Xerife de Nottingham
Prêmios:
Indicações ao Oscar: Melhor Canção Original (“Everything I Do, I Do It For You”). Prêmio Saturno: Melhor Figurino
Onde Assistir: DVD / Aluguel HD
Análise de “Robin Hood – O Príncipe dos Ladrões”
A lenda da resistência inglesa relida em belos takes de câmera
Lançado em 1991, a versão de Robin Hood apresentada pelo diretor Kevin Reynolds e estrelado por Kevin Costner reconta a história lendária do nobre fora-da-lei que rouba dos ricos para dar aos pobres. Essa versão do filme buscou ao mesmo tempo incorporar elementos clássicos da trama e acrescentar outros mais históricos, como as cruzadas. O heroísmo de Robin é um elemento central da trama, que apesar do cinismo e aura de anti-herói não hesita em arriscar sua vida para proteger os mais fracos e correr para o perigo para salvar a mulher que ama. Mas esta versão nem sempre foi a que prevaleceu na literatura ou no cinema.
Das Baladas Medievais ao Cinema
Origens Históricas e as Primeiras Baladas
Pouco se sabe sobre o personagem histórico que teria dado origem à lenda de Robin Hood. Segundo estudos mais recentes, o mais provável é que ela tenha surgido a partir de várias histórias de injustiças praticadas durante os séculos XI e XII, quando a justiça não era praticada com base em uma norma escrita, mas sim pela vontade dos soberanos. Essas histórias se tornaram célebres quando passaram a ser cantadas sob a forma de baladas medievais, datando as mais antigas dos séculos XIII e XIV. Não se pode apontar um único texto fundador, mas os motivos principais estavam sempre presentes, e também o nome do nobre que se voltava contra a injustiça ao lado dos campesinos: Robin Hood. Essas histórias incorporaram elementos populares e discursos de insatisfação contra a nobreza, moldando o arquétipo do herói fora-da-lei.
Na versão mais antiga da lenda, Robin é apresentado como um arqueiro habilidoso e líder de um grupo de foras-da-lei que habitam a Floresta de Sherwood, próxima à cidade de Nottingham. Ele é conhecido por roubar dos ricos para dar aos pobres, lutando contra a injustiça social e o abuso de poder. Entre seus adversários mais icônicos está o Xerife de Nottingham, que representa a opressão e o autoritarismo.
Histórias como “A Balada de Robin Hood e o Monge“ mostram Robin sendo capturado por suas ações contra a elite, enquanto sua trupe, liderada por João Pequeno, resgata-o de maneira engenhosa. Outras baladas, como “Robin Hood e o Cavaleiro“ e “Robin Hood e o Rei“, retratam sua generosidade e sua interação com figuras de poder, incluindo o próprio rei Ricardo Coração de Leão, que aparece em versões posteriores como um aliado benevolente.
Resgate literário no século XIX
No século XIX, a lenda de Robin Hood passou por uma importante retomada literária, coincidindo com um momento histórico marcado por revoluções e movimentos sociais, e uma crescente valorização do passado medieval. Esse período foi moldado pelo impacto das Revoluções Francesa e Industrial, que fomentaram debates sobre desigualdade, justiça social e direitos das classes trabalhadoras. Nesse contexto, as histórias de Robin Hood, centradas em um herói que desafia a opressão e redistribui riqueza, tornaram-se relevantes para despertar nos leitores reflexões sobre os temas em voga.
O ponto de partida para esta retomada foi o trabalho desenvolvido pelo escritor e ensaísta inglês Joseph Ritson. Em 1820, Ritson publicou “Robin Hood: A Collection of All the Ancient Poems, Songs, and Ballads”, uma coletânea de baladas medievais que haviam sido transmitidas oralmente ou em manuscritos. Ritson não apenas preservou as versões antigas da lenda, mas também reinterpretou Robin Hood como um herói popular que personificava valores como justiça, lealdade e solidariedade com os oprimidos. Em um momento em que o romantismo buscava reviver a nostalgia da Idade Média, a obra de Ritson ajudou a consolidar Robin Hood como um símbolo de resistência social e ética.
Na mesma linha, o autor francês Alexandre Dumas, consagrado por suas narrativas de aventuras e intrigas, adaptou a lenda em “Robin Hood: O Proscrito” e “Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões” (1863). Sua obra apresenta Robin como um herói nobre e idealista, engajado em uma luta contra a opressão feudal e em defesa dos pobres. Personagens como Lady Marion ganham destaque na versão de Dumas, assim como seus companheiros João Pequeno, Frei Tuck e Will Scarlett. Dumas inseriu a lenda em um contexto de aventuras épicas, com personagens carismáticos e enredos envolventes, ao mesmo tempo em que refletia as preocupações sociais de seu tempo, como a busca por liberdade e igualdade.
Já no final do século XIX, o ilustrador Howard Pyle contribuiu para popularizar Robin Hood nos Estados Unidos e entre leitores mais jovens. Sua obra “The Merry Adventures of Robin Hood” (1883) reimaginou o herói como um líder jovial e carismático, que, com humor e coragem, desafia as injustiças do sistema. O estilo leve e acessível de Pyle tornou Robin Hood mais universal, consolidando-o como um herói que transcende o tempo e as fronteiras.
Robin Hood no Cinema
A primeira aparição de Robin Hood no cinema ocorreu em 1912, com o filme mudo “Robin Hood” dirigido por Étienne Arnaud e Herbert Blaché. No entanto, foi em 1922 que a lenda ganhou sua primeira grande adaptação cinematográfica, com “Robin Hood”, estrelado por Douglas Fairbanks. Este filme deu o tom aventureiro que seria a marca do personagem em todas as adaptações.
A versão de Fairbanks seria superada alguns anos depois, em 1938, com “As Aventuras de Robin Hood“, estrelado por Errol Flynn e Olivia de Havilland. O filme trazia inovações tecnológicas, como uma trilha sonora épica e fotografia em technicolor. O carisma dos atores fez dessa uma das mais icônicas personificações do personagem, servindo de inspiração para outros personagens famosos como o Arqueiro Verde, da DC Comics.
A Disney também faria sua versão do personagem em 1973, reimaginando os personagens como animais com traços antropomórficos. A Robin Hood coube a caracterização de uma raposa, dando ênfase à sua astúcia e esperteza para sair de situações complicadas. Esta versão tornou o personagem extremamente popular entre as crianças.
Todas estas versões serviram para manter viva a lenda de Robin Hood, mas pouco foi acrescentado ao que já havia sido produzido pela literatura. Outro ponto importante é que o mundo de Robin é quase um reino de fantasia, com poucos detalhes históricos sendo contrapostos à sua trama. Era o retrato de uma sociedade conservadora, que via no personagem apenas mais um protagonista de aventuras escapistas. Mas a efervescência de movimentos sociais nos anos 60 e 70, assim como novos estudos sobre a história inglesa e os movimentos de banditismo social abririam as portas para que o personagem fosse abordado sob um ponto de vista mais histórico.
Robin Hood e o Banditismo Social
Em 1969, no livro “Bandidos“, o historiador britânico Eric Hobsbawm apresentou um estudo polêmico sobre os fatores que levam ao surgimento dos chamados bandidos sociais. Personagens populares, como Lampião ou Robin Hood, segundo ele, tendem a emergir em contextos de opressão e desigualdade. Ainda segundo sua tese, estes “fora-da-lei” tendem a ser vistos como heróis ou vingadores pelos membros das classes populares, embora muitas vezes sejam considerados bandidos pelas elites e pelo Estado.
Segundo Hobsbawm, o banditismo social é um fenômeno histórico recorrente, especialmente em sociedades agrárias marcadas por profundas desigualdades. Os bandidos sociais frequentemente desafiam as normas de poder estabelecidas, redistribuem riqueza, protegem os vulneráveis e, em algumas narrativas, simbolizam a luta por justiça. Exemplos emblemáticos incluem figuras como Robin Hood, Lampião, Pancho Villa e outros líderes de movimentos populares.
Hobsbawm argumenta que o bandido social não é simplesmente um criminoso comum; ele age dentro de um contexto cultural e histórico em que suas ações são interpretadas como uma forma de resistência. A “lei”, por assim dizer, da qual ele se coloca do lado de fora, está sendo questionada em sua legitimidade em promover o bem comum, e isso o torna um agente da justiça contra uma lei injusta. A comunidade local muitas vezes o apoia, fornecendo refúgio ou ocultando suas atividades, porque o vê como alguém que desafia as estruturas de exploração e opressão que as impactam diretamente.
Ele também destacou que o banditismo social tende a surgir em períodos de crise econômica, enfraquecimento do Estado ou transições sociais, quando as instituições falham em garantir justiça ou atender às necessidades do povo. Apesar disso, os bandidos sociais raramente conseguem transformar suas ações em movimentos revolucionários duradouros, pois suas ações são limitadas à rebeldia local e simbólica, em vez de estratégias organizadas de transformação política.
Rebeliões Inglesas e a Carta Magna
Apesar do filme trazer a imagem de Ricardo Coração de Leão (Sean Connery) como um rei benevolente, que na visão de Robin seria contrário aos pesados impostos que estavam sendo cobrados, isso contraria alguns fatos históricos. Ricardo, que foi rei entre os anos 1189 e 1199, embora seja celebrado como um herói cruzado, passou a maior parte de seu reinado fora da Inglaterra, financiando suas campanhas na Terra Santa e na Europa continental.
Para sustentar seus empreendimentos militares, Ricardo impôs pesados tributos sobre a população inglesa, causando descontentamento entre os barões e o povo. Apesar disso, sua ausência impediu que os conflitos internos se agravassem significativamente, mas deixou um espírito de revolta que estouraria nas mãos de seu sucessor, o Rei João, também conhecido como João Sem-Terra, que governaria até 1216.
João enfrentou uma série de desafios, incluindo a perda de territórios ingleses na França, como a Normandia, em 1204, o que manchou sua reputação militar. Para financiar suas tentativas de recuperar essas terras e manter sua administração, João impôs tributos ainda mais pesados, cobrando multas excessivas e confiscando terras de barões que lhe eram hostis.
Além disso, João entrou em conflito com a Igreja, sendo excomungado pelo Papa Inocêncio III, o que abalou ainda mais sua autoridade. Sua relação tumultuada com os barões, combinada com suas políticas fiscais opressivas, levou a uma rebelião aberta em 1215.
Os barões insurgentes, apoiados por cavaleiros e outros descontentes, forçaram João a negociar, culminando na assinatura da Carta Magna em Runnymede. Esse documento limitava os poderes do rei, estabelecendo que ele deveria governar de acordo com a lei, garantindo direitos básicos aos barões e à Igreja. Embora inicialmente desrespeitada por João, a Carta Magna tornou-se um marco na luta por direitos e pelo equilíbrio de poder entre governantes e governados, influenciando constituições ao redor do mundo.
Embora não exista uma relação entre os possíveis personagens históricos que inspiraram Robin Hood e estes fatos, é importante notar que são dessa época as baladas mais antigas compostas a seu respeito. A figura de um fora-da-lei que se revolta contra leis injustas e um rei tirano serviam bem para embalar os revoltosos contra o rei João. E serviriam para simbolizar uma sociedade que, no final do século XX, começava a questionar seus governos e suas instituições, abrindo espaço para uma releitura da lenda de Robin Hood.
O Príncipe dos Ladrões
“Robin Hood – O Príncipe dos Ladrões” (1991), de Kevin Costner e Kevin Reynolds, foi lançado após uma década marcada por uma série de produções de aventura, cenários históricos e ambientes sombrios, como “Os Caçadores da Arca Perdida” e “Conan, o Bárbaro“. Os produtores sabiam, portanto, que a nova versão de Robin Hood deveria conter estes elementos para aproveitar o interesse do público. A fantasia dos filmes antigos foi, assim, substituída por uma abordagem mais sombria e realista para a lenda.
Produzido pelos estúdios Morgan Creek Productions e distribuído pela Warner Bros., o filme foi rodado em locações no Reino Unido, incluindo Northumberland e Yorkshire, bem como na França. Assim como ocorreu com os filmes de Indiana Jones, a escolha por filmar em locais autênticos ajudava a criar uma atmosfera histórica convincente. Isso se mostrou essencial para a imersão do público na época medieval das cruzadas e das lutas de cavalaria.
Nesta versão, que ecoa o título utilizado por Alexandre Dumas, Robin de Locksley é um nobre inglês que retorna à Inglaterra depois de anos lutando nas cruzadas. Ele carrega traumas de guerra, e também a culpa por não ter estado com seu pai quando ele foi assassinado sob acusação de heresia. O personagem de Costner também é um homem experiente, que teve contato com outras culturas e realidades. Este aspecto é bem aproveitado com a inserção de Azeem, um companheiro de estrada que o obriga a encarar o mundo sob uma ótica mais densa.
Interpretado por Morgan Freeman, Azeem é um mouro que salva a vida de Robin nas Cruzadas. Ele torna-se seu aliado fiel, trazendo conhecimentos científicos e valores de igualdade que desafiam os preconceitos da época. Essa relação destaca temas como tolerância cultural e a importância do trabalho conjunto, reflexos das discussões sociais do final do século XX.
Outro aspecto inovador é o foco na brutalidade do regime feudal. O vilão Xerife de Nottingham, vivido por Alan Rickman em uma performance memorável, é retratado como um opressor cruel, simbolizando os abusos de poder. O filme enfatiza a luta de Robin e seus aliados como uma revolta popular, ecoando as lutas sociais e políticas por justiça do período contemporâneo.
O filme todo é, assim, a síntese de um discurso político que ecoava pela sociedade quando ele foi produzido. Embora mais comercial que outros filmes de Costner, como o vencedor do Óscar “Dança com Lobos” e “Campo dos Sonhos“, ele carrega a assinatura dos artistas envolvidos. Temas como luta contra opressão, liberdade, ou a ênfase em dar voz a grupos sociais marginalizados são parte do que eles fizeram em seus trabalhos, tais como “Rapa Nui” e “O Mensageiro“.
Recepção Crítica e Impacto Cultural
“Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões” foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de 390 milhões de dólares mundialmente. A atuação de Kevin Costner foi bem recebida, embora sua falta de sotaque britânico tenha sido criticada. Alan Rickman, no entanto, foi amplamente aclamado por sua interpretação do xerife de Nottingham, trazendo profundidade e carisma ao vilão.
O filme também deixou um impacto cultural duradouro. A canção “Everything I Do (I Do It for You)” de Bryan Adams, que faz parte da trilha sonora, tornou-se um enorme sucesso, permanecendo no topo das paradas por várias semanas e ganhando vários prêmios.
Considerações Finais
Embora ambientado no século XII, “Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões” aborda temas que continuam a ressoar com o público contemporâneo. Em cada época que o personagem é resgatado e reinterpretado, novas camadas surgem para se incorporar à lenda. Se Lady Marion era a princípio apenas um interesse romântico para o personagem, na versão de Kevin Costner ela tem participação ativa como parceira de Robin Hood. Assim como os companheiros dele ganham importância na trama, sendo acrescidos do nobre Azeem, que lhes mostra o quanto eles eram bárbaros perto de povos com cultura mais evoluída que a inglesa.