Sapos Cururu! Boi da Cara Preta! De onde vieram essas estranhas músicas que cantamos pras crianças?
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Nossa Velha Infância
Quem nunca se pegou cantando uma cantiga de ninar ou uma melodia infantil que marcou sua infância? Esses pequenos versos, aparentemente simples, carregam em si um peso cultural e histórico surpreendente. Cantigas como “Sapo Cururu”, “Boi da Cara Preta” e “Nana Nenê” atravessaram gerações, embalando crianças e, ao mesmo tempo, transmitindo valores e traços culturais. Mas você já se perguntou de onde vieram essas músicas? Qual é a origem delas e como chegaram até nós? Vamos embarcar em uma viagem por suas histórias.
A Função das Cantigas
Antes de explorarmos as origens específicas, é importante entender o papel das cantigas. Elas não são apenas músicas para entreter. No passado, eram usadas para acalmar crianças, ensinar licoes morais e culturais, e criar um vínculo emocional entre pais e filhos. Além disso, muitas surgiram em um contexto oral, onde as histórias eram passadas de geração em geração, frequentemente mudando de forma e significado.
“Sapo Cururu”
A cantiga “Sapo Cururu” é um clássico brasileiro, mas possui várias interpretações ao longo das regiões do país. Sua letra remete a um sapo que canta à beira do rio, um tema que se conecta à relação do ser humano com a natureza. Alguns estudiosos sugerem que a cantiga tem influências indígenas, dado que o sapo é um animal frequentemente presente em lendas e mitos de diversas etnias do Brasil. A melodia simples e repetitiva ajuda a fixar a canção na memória coletiva, o que explica sua popularidade atemporal.
Curiosamente, o sapo também aparece em cantigas infantis de outras culturas. Em Portugal, há versos semelhantes que mencionam o sapo como uma figura cômica ou misteriosa. A troca cultural entre Brasil e Portugal durante a colonização pode ter contribuído para a existência de versões similares nos dois países.
“Boi da Cara Preta”
Quem nunca ouviu “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta”? Embora seja uma cantiga muito querida, sua letra tem um tom curiosamente ameaçador. Isso porque, em muitos casos, as canções de ninar buscavam não apenas acalmar a criança, mas também discipliná-la.
A origem dessa cantiga remonta à tradição ibérica trazida ao Brasil. Na Península Ibérica, as lendas sobre bois fantásticos e criaturas misteriosas eram comuns, usadas para ensinar crianças a se comportarem. Ao chegar ao Brasil, a figura do boi ganhou novos significados, especialmente no Nordeste, onde o bumba meu boi é uma manifestação cultural importantíssima. Dessa forma, “Boi da Cara Preta” é um exemplo claro de como uma cantiga pode se transformar, incorporando elementos de diferentes culturas e contextos sociais.
“Nana Nenê”
“Nana nenê, que a cuca vem pegar” é uma das cantigas mais antigas e com uma origem bem intrigante. A “cuca”, figura que assombra a letra, tem raízes no folclore europeu, especialmente na lenda da “Coca”, um ser monstruoso usado para assustar crianças desobedientes. Essa lenda chegou ao Brasil pelos colonizadores portugueses e, com o tempo, se adaptou ao nosso folclore, ganhando uma roupagem própria.
A melodia de “Nana Nenê” é simples e repetitiva, o que a torna eficaz para embalar crianças. Além disso, seu tom leve contrasta com a ameaça implícita da letra, criando uma combinação curiosa de conforto e alerta.
Versões e Influências Estrangeiras
Vale lembrar que muitas das cantigas infantis brasileiras têm equivalentes ou inspirações diretas em outras culturas. Por exemplo, a clássica “Cai Cai Balão” pode ser comparada à “Twinkle, Twinkle, Little Star”, uma música inglesa que também utiliza rimas simples e imagens lúdicas. Essa influência é resultado da globalização cultural, que já acontecia de forma rudimentar através da colonização, do comércio e, mais tarde, dos meios de comunicação.
Além disso, as cantigas também passaram por transformações ao longo do tempo. Algumas mudaram de letra para se adequarem a contextos modernos, enquanto outras caíram em desuso devido às mudanças nos valores sociais. Um exemplo é “Atirei o pau no gato”, que foi alvo de críticas por sua mensagem de maus-tratos aos animais. Hoje, muitas escolas substituíram a letra original por uma versão mais amigável, mas a melodia continua a mesma.
A Importância da Oralidade
Algo fascinante sobre essas cantigas é a maneira como foram preservadas. Durante séculos, a oralidade foi o principal meio de transmissão. Avós cantavam para os netos, que depois cantavam para seus filhos, criando uma cadeia ininterrupta. Porém, esse mesmo processo de transmissão também contribuiu para as múltiplas variações que encontramos hoje.
Cada região, cada família, pode ter adaptado as cantigas à sua própria realidade, adicionando novos versos ou alterando palavras. Isso faz com que cada versão tenha um valor único, refletindo a rica diversidade cultural do Brasil.
As cantigas infantis são muito mais do que simples músicas para crianças. Elas são um espelho de nossa história, um registro das trocas culturais que moldaram o Brasil. Ao cantar “Sapo Cururu” ou “Nana Nenê”, estamos perpetuando tradições que remontam à época da colonização, mas que continuam a evoluir em um mundo globalizado.
Portanto, da próxima vez que você ouvir uma dessas melodias, pare e reflita sobre o caminho que ela percorreu até chegar a você. Pense nas mãos que a ensinaram, nas vozes que a entoaram e nos ouvidos atentos que a guardaram. Porque, no fim, as cantigas infantis são mais do que canções — são histórias vivas, ecoando através do tempo.