A versão live action de Avatar – A Lenda de Aang iniciou na NETFLIX mostrando uma das cenas mais cruéis da guerra dos quatro povos: o genocídio dos nômades do ar. Embora a cena tenha sido mostrada em flashback na série original, e tenhamos visto os corpos dos nômades mortos, é realmente violento ver como eles foram dizimados num ataque surpresa, do qual nem mesmo as crianças foram poupadas.
Na verdade, elas eram o principal objetivo, já que seria numa criança que estaria o espírito do Avatar. Para quem não conhece a mitologia que envolve este mundo, vamos retomar um pouco sobre o que aconteceu, e as consequências que este genocídio teve na série. E também pensar um pouco sobre como situações semelhantes levaram ao genocídio em nossa própria história, e que serviram de inspiração para a criação do personagem Aang.
[ATENÇÃO – Este artigo pode conter spoilers do primeiro episódio. Seria bom assistir primeiro e depois retornar para a leitura.]
Quem é o Avatar?
Na série, explica-se este evento pela possibilidade que havia do Avatar, um ser místico capaz de desequilibrar a guerra, estar destinado a renascer como um nômade do ar. O Avatar, para quem não está familiarizado com o enredo do desenho, é a única pessoa que possui a capacidade de dominar todos os quatro elementos, além de acessar a experiência de todas as suas vidas passadas e um espírito poderoso chamado Raava. Este poder nas mãos de uma única pessoa pode por fim aos planos totalitários de um povo sobre o outro.
Para manter o equilíbrio entre os povos o Avatar incorpora-se em um membro de cada povo a cada nova vida, seguindo um ciclo infinito. Pela regra o próximo Avatar surgiria em um Nômade do Ar, por isso a Nação do Fogo esperava interromper o ciclo de renascimentos exterminando todos os nômades do ar.
O Genocídio em Avatar – A Lenda de Aang
No desenho criado pela Nikleodeon este fato, o genocídio dos Nômades do Ar, é tratado de forma rápida, já que o desenho era direcionado a crianças. Aang descobre sobre o extermínio ao visitar o templo do ar onde ele viveu antes de fugir de suas obrigações como Avatar. Cem anos se passaram, e tudo que ele encontra são inúmeros esqueletos, inclusive o do mestre do ar que ele tinha como pai, o mestre Gyatso.
Na série liveaction a narrativa se inicia com Aang ainda vivendo entre os nômades do ar. Vemos várias cenas conhecidas, como ele brincando com seus poderes e o monte Gyatso contando-lhe que será o novo Avatar, seguido de sua fuga para absorver a notícia. E é então que começam os eventos macabros que marcarão toda a história.
Os monges são atacados de surpresa pela nação do fogo, e um a um são dizimados por eles. Embora lutem com todas as suas forças, os mestres do ar estão em desvantagem devido ao cometa que alimenta o poder dos dobradores de fogo. Como se trata de uma produção PG 12, não vemos sangue, mas tem muitos corpos sendo carbonizados e muitas cenas que nem precisam ser mostradas. É a gênese de tudo que a Nação do Fogo faria nos cem anos seguintes.
Genocídio na História
Embora Avatar – A Lenda de Aang seja uma história fictícia, a ideia de exterminar um povo já ocorreu em vários momentos da história. Os motivos quase sempre giram em torno de intolerância religiosa, étnica, e a presença de grupos extremistas que assumem uma posição de poder. Também é comum encontrar nestes eventos ações de propaganda para manipular a opinião pública e manter seguidores numa relação quase religiosa, manipulando as informações que são difundidas e negando acesso a opiniões de oposição.
O momento mais conhecido ainda presente em nossa memória é o holocausto do povo judeu ocorrido nos anos 1940 na Alemanha, durante o governo nazista. Aproximadamente 6 milhões de judeus morreram em campos de concentração. Na Rússia também ocorreram tentativas violentas de extermínio do povo judeu, nos chamados pogroms. O mais conhecido foi o de 1903 a 1906, que resultou na emigração significativa de judeus para outras partes do mundo.
Mas os povos judeus não foram os únicos perseguidos. Entre 1915 e 1923, nos últimos anos do Império Otomano, a população armênia sofreu uma dura perseguição, resultando na morte de cerca 1 milhão de pessoas. Semelhante ao ocorrido na Alemanha, os motivos para o extermínio foram étnicos e religiosos. O governo turco ainda nega a existência do fato, apesar de ser consenso entre autoridades e historiadores, o que gera tensão nas relações internacionais.
Mais recentemente temos outros exemplos de genocídios impetrados por grupos autoritários contra outras populações, como foi o caso dos hutus, em Ruanda (1994). O fato, retratado no filme Hotel Ruanda, levou à morte de 800.000 tutsi e hutus durante um período de 100 dias.
O caso do Brasil
No Brasil costuma-se apontar como tentativas de genocídio o extermínio dos povos indígenas e as políticas de branqueamento racistas do início do século XX. No caso dos povos indígenas o extermínio ocorreu durante pouco mais de trezentos anos de ocupação portuguesa, que matou essas populações para acessar regiões ricas em metais e pedras preciosas, ou para implantar fazendas de produção agrícola ou de pecuária.
Em relação à população negra o termo genocídio é mais polêmico devido à falta de intenção no extermínio desta população durante o período da escravidão, embora a quantidade de mortes e atrocidades seja imensa. As políticas de branqueamento no início do século XX, e a falta de projetos governamentais para assistir à população de ex-escravizados após 1888 são considerados exemplos de políticas de extermínio, embora não seja fácil comprovar a intencionalidade de quem estava no poder.
O Genocídio e a Jornada de Aang
Ao contar a história de um povo que é exterminado por outro, Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko, os produtores de Avatar – A Lenda de Aang, colocam em discussão este tema para as novas gerações. A dor de Aang é a mesma de milhares de povos que sofrem perseguição, que tiveram suas famílias mortas ou suas crenças pessoais ameaçadas.
A jornada de Aang envolve superar a dor de sua perda, e resistir mantendo viva a cultura de seu povo. Ele faz isso acessando os lugares que mantém registros da sua história, e continuando na prática das artes que aprendeu com os monges. Uma delas, particularmente, é o que cria toda a tensão de seu arco: a proibição de usar seus dons para matar e a necessidade de lutar uma guerra na qual provavelmente precisará matar. Em um momento à frente seus esforços resultarão no surgimento de um novo povo de dominadores do ar, restaurando a cultura que quase foi destruída um dia.
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