Como era a arqueologia no começo do século XX? Quem eram os arqueólogos? Eram heróis destemidos, ou apena ladrões de tumbas? O mito dos arqueólogos aventureiros é uma invenção do cinema?
Arqueólogos do Início do Século XX
As descobertas feitas por arqueólogos no início do século XX foram resultado principalmente de incursões particulares feitas ou financiadas por famílias ricas europeias. Os objetivos destas descobertas variavam, mas no geral havia a intenção de trazer os resultados das descobertas para exposições em museus.
Os financiadores das escavações ficavam com posse das suas descobertas, que passava a fazer parte de sua riqueza patrimonial. Quando eram os Estados os financiadores, eles passavam a figurar como peças de seus museus. Era uma forma de poder.
Expor no Museu de Londres uma peça importante encontrada no Egito era como dizer: o Egito nos pertence. Era, ainda, a mesma visão colonizadora que existia a séculos, e que seria muito questionada no decorrer do século.
A realidade, assim, era cheia de questões mal resolvidas. E dentro deste cenário surgiam empreendedores dispostos a enfrentar toda forma de riscos para conseguir tesouros arqueológicos. Era uma nova corrida do ouro, pois agora não importava de fato se as descobertas eram feitas de ouro, mas o quão antigas elas eram.
Evidentemente havia também pesquisadores sérios, que respeitavam os locais onde estas descobertas eram feitas, e até militavam para que seus habitantes passassem a ter a posse destas descobertas.
Arqueólogos e aventureiros no Cinema
Não demorou muito tempo para que esta nova mitologia fosse absorvida pela crescente indústria do cinema, ávida por novos temas para desenvolver seus filmes. O clima exótico e cheio de perigos das histórias de arqueólogos e outros tipos de aventureiros chamava a atenção de escritores de ficção já a algum tempo, já tendo sido explorado na literatura em livros como As Minas do Rei Salomão, publicado em 1885.
Para os cineastas era uma fórmula perfeita a ser explorada. Ignorando boa parte das polêmicas existentes, e se apropriando apenas do que fosse essencial para criar uma boa trama de aventuras. Indiana Jones é apenas um dos produtos mais contemporâneos deste tema.
Essa maquiagem da realidade permite que questões como a preservação cultural sejam colocadas em segundo plano, ou mesmo esquecidas. Desde os primeiros filmes de aventura como “The Perils of Pauline” em 1914, até os mais recentes sucessos de bilheteria como “Tomb Raider” e “National Treasure”, a figura do arqueólogo aventureiro atiça o imaginário, levando-o a lugares remotos e misteriosos, exóticos e excitantes.
ARQUEÓLOGOS AVENTUREIROS OU REALIDADE ESTEREOTIPADA?
Um traço marcante destas obras é, quase sempre, a representação do outro de forma estereotipada, sem muitos detalhes sobre sua cultura, suas crenças, sua ciência. Isso ajuda a justificar a retirada de suas relíquias, pois entende-se que as mesmas estarão desempenhando um papel mais importante nos museus, onde serão estudadas e produzirão conhecimento. É um discurso de dominação claro feito para justificar o colonialismo, no qual provavelmente seus autores acreditavam como sendo a melhor das soluções para aqueles povos inferiores.
Entre as obras literárias mais lembradas, temos “As Minas do Rei Salomão” (1885), de H. Rider Haggard, que conta a história do caçador Allan Quatermain e sua busca por um tesouro lendário na África. O livro foi um grande sucesso na época de sua publicação e inspirou muitos outros autores a escreverem romances de aventura e arqueologia.
TARZAN E OUTROS CAÇADORES DE TESOURO
A série de filmes “Os Tesouros de Tarzan”, produzidos pela MGM, também alcançaram grande sucesso na década de 1930. Esses filmes apresentavam um arqueólogo aventureiro chamado “Bomba, o Jungle Boy”, que explorava as selvas da África em busca de artefatos antigos.
O personagem era um jovem órfão que cresceu na selva africana e aprendeu a se comunicar com animais e sobreviver em um ambiente hostil. Ele também tinha uma habilidade incomum para encontrar tesouros antigos, e frequentemente se envolvia em conflitos com criminosos e mercenários que tentavam roubar as antiguidades que ele descobria.
Estes filmes eram populares entre as crianças da época, que ficavam fascinadas com as aventuras de Bomba e suas descobertas arqueológicas. Assim como outros filmes da época, perpetuava estereótipos raciais e culturais sobre a África e seus habitantes.
COMO OS FILMES DE INDIANA JONES LIDAM COM ESSAS POLÊMICAS?
Um ponto forte dos filmes da série Indiana Jones é o personagem ser apresentado como um anti-herói, e não como um modelo de conduta. A primeira cena de Caçadores da Arca Perdida mostra o personagem como um saqueador de artefatos sagrados, cercado de mercenários locais, e sendo atacado por estereótipos de indígenas locais. Também mostra como seus rivais, aqui personificados no arqueólogo francês Belloq e em Forrestal, também usam métodos inescrupulosos para conseguir o que querem.
O explorador heroico, contudo, também é um professor universitário, e em sua aula ele instrui os alunos sobre a diferença sutil entre saquear e praticar arqueologia. Essa é uma regra que ele próprio parece ter dificuldade de seguir na sua prática profissional, sendo isso parte da graça do filme.
É interessante, contudo, ver que o roteiro tenta levantar um posicionamento crítico aos saques praticados por alguns caçadores de relíquias. Isso é bem mais do que era feito nos filmes de aventura que o inspiraram. George Lucas, assim, não faz uma mera repetição dos filmes dos anos 30, mas uma releitura dos mesmos à luz do que era discutido no início dos anos 80.
Belloq e Indiana Jones são duas facetas da arqueologia. O primeiro deixa claro que seu interesse é apenas pela riqueza, enquanto Indiana demonstra um genuíno interesse científico pela história. Essa diferença é o que o salva na cena final, uma espécie de julgamento sobrenatural. Ele e Belloq sabiam que somente um sumo sacerdote poderia olhar dentro da arca, e cada um usa essa informação de uma maneira.
Belloq tenta refazer o ritual judaico de forma artificial, usando vestes sacerdotais enquanto abre a arca. Indy escolhe fechar os olhos, o que salva sua vida e a de sua companheira de aventuras, Marion Ravenwood, outra personagem inesquecível dos filmes.
Ainda assim, é interessante notar que nenhum personagem levanta a questão da arca ser uma relíquia importante para o povo judeu, o qual deveria tê-la de volta se de fato fosse encontrada. Todos os personagens a querem por seus próprios motivos, e não há espaço na trama para outros questionamentos. Essas idas e voltas do desenvolvimento ético dos personagens, contudo, remonta às próprias polêmicas envolvendo a arqueologia.
O professor Jones, como acadêmico, parece disposto a discutir o que é ou não ético em sua profissão, mas ele é filho de uma época, e como tal existe toda uma estrutura de pensamento que vai além do personagem. Seria anacrônico que ele não buscasse por artefatos em países estrangeiros, e que não acreditasse estar fazendo algo importante ao empenhar-se em trazer aqueles objetos para serem estudados em museus.
Os filmes, séries e jogos de arqueólogos aventureiros continuaram a explorar este lado aventuresco da profissão. Mas a arqueologia de verdade precisou evoluir para além da exploração de artefatos e cidades perdidas. A arqueologia moderna mais parece um filme de ficção científica que os de sobrevivência mostrados nestas histórias. E é sobre isso que falaremos na terceira parte desta série.
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