Quem nunca morreu de rir com as diabruras de Calvin e seu tigre Haroldo? Ou com o cinismo dos seus pais nada politicamente corretos? Calvin e Haroldo nos fazem rir de nós mesmos a mais de trinta anos, sem filtros. E é por isso que precisamos falar sobre Calvin, porque um tigre imaginário filosófico é tudo que eu sempre quis ter.
Calvin e o Calvinismo?
Antes de qualquer coisa, calma! O calvinismo não é uma seita maluca criada pelo Calvin pra dominar o mundo, nem tem um monte de calvinhos por aí prontos pra ordem 66 (na verdade tem sim, só não estão organizados). Mas então por que estamos falando sobre calvinismo? Bom, o calvinismo foi um movimento reformador cristão que seguia as ideias de John Calvin, ou João Calvino, lá no século XVI. Uma dessas ideias é que o homem é depravado e mau por natureza, e sua inclinação natural é fazer o mal ao próximo.
Te lembrou alguém? Sim, nosso pequetito Calvin só está exercendo sua natureza quando prepara suas armadilhas na frente da casa.
E quanto a Haroldo? Bom, ajudaria um pouco se o nome original tivesse sido mantido na tradução para o português no Brasil. Nosso querido tigre imaginário chama-se originalmente Hobbes, e seu nome vem do filósofo Thomas Hobbes. O próprio Bill Wattterson descrevia o pensamento deste filósofo como “uma visão obscura da natureza humana”. Foi ele quem criou a máxima “o homem é o lobo do homem”, ou seja, que cada homem é objeto de destruição do outro.
Hobbes, o tigre, parece ter algo de semelhante com o filósofo, mas seus comentários sarcásticos sobre a humanidade ganham um aspecto divertido, pois parecem a visão que um animal teria sobre os homens. E não é por acaso, essa é justamente a piada imaginada pelo seu autor, que deixou essa camada para quem conhece um pouco mais de história e filosofia.
Mas longe desse mundo de adultos cínicos, ainda tem muita piada pra rir com estes dois.
Quem são Calvin e Hobbes?
Calvin, um garoto de seis anos, e seu tigre de pelúcia antropomórfico chamado Hobbes, ou Haroldo, são os protagonistas das tirinhas criadas por Bill Watterson. No mundo da imaginação de Calvin, Haroldo ganha vida como um personagem real, mas para os outros, ele é apenas um tigre de pelúcia normal. Juntos eles embarcam em aventuras imaginárias, explorando uma variedade de tópicos, desde filosofia e política até questões da vida cotidiana.
O humor da série é conhecido por sua inteligência, imaginação e pela visão cômica da perspectiva infantil sobre o mundo. Calvin é um personagem curioso, criativo, inocente, hiperativo e com uma imaginação vívida, o que o leva a debater sobre diversos temas e questionar a autoridade dos pais, dos professores e dos adultos em geral, que ele conclui não saberem muito bem o que estão fazendo. Haroldo, por sua vez, serve como uma voz da razão e do bom senso, muitas vezes contrastando com a personalidade impetuosa de Calvin.
Na voz da criança, está o que o seu autor provavelmente queria dizer sobre aquele mundo mercantilista dos anos 80.
Quem foi Bill Watterson?
Bill Watterson, o criador da série, nasceu em 1958 na cidade de Washington DC. Formou-se em ciências políticas em 1980 pelo Kenyon College, e teria depois disso uma carreira um pouco irregular como chargista. A primeira tirinha foi publicada apenas em 18 de Novembro de 1985, depois de ter tido vários trabalhos recusados.
Um traço marcante de seu trabalho é a crítica à sociedade e seu mercantilismo, que transforma tudo em produtos para serem consumidos. Discursando para os formandos do Kenyon College em 1990 ele disse: “É surpreendente como trabalhamos duro quando o trabalho é feito apenas para nós mesmos.”
O que inspirou Watterson?
O próprio autor declarou em entrevistas que uma de suas principais inspirações foi Charles Schulz, criador da tirinha Peanuts. Mas ele também se inspirou em George Herriman, criador de Krazy Kat, publicada entre 1913 e 1944, tendo escrito a introdução do primeiro volume que compilou suas tirinhas. Também inspiraram o jovem chargista as tirinhas de Pogo, de Walt Kelly, publicada entre 1948 e 1975, uma sátira social que lembra muito o trabalho de Watterson, e Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCay, que narra de forma divertida os sonhos de uma criança. Fora do mundo editorial, suas inspirações viriam de seu gato Sprite, de sua prática como ciclista e dos discursos de seu próprio pai quando desejava construir seu caráter.
A Tensão com os Jornais
Watterson lutou por mudanças nos quadrinhos de jornais, preocupado com a diminuição do valor artístico e o espaço restrito que eles ocupavam, sujeitos a editores conservadores. Ele defendia que a arte não deveria ser julgada pelo meio em que era criada, não havendo distinção entre arte “alta” ou “baixa”.
O autor resistiu à pressão dos editores para comercializar seu trabalho, acreditando que isso prejudicaria sua tira. Ele recusava licenciar Calvin e Hobbes em produtos, temendo que isso diminuísse os personagens. Também rejeitou a produção de uma versão em desenho animado da tira. Watterson criticava a comercialização excessiva de outras tiras, como Garfield.
Ele contestava a estrutura das páginas dominicais imposta pelos editores, lutando por exceções para desenhar as tiras de domingo de acordo com sua visão, usando sobreposições e progressão diagonal da ação.
Todas estas tensões certamente se refletiram em sua decisão de encerrar a publicação da tirinha. Mesmo amando o que fazia, os desentendimentos com os editores e os prazos apertados parecem ter pesado sobre os seus ombros. Assim, em 1995, ele optou por encerrar as histórias de Calvin e Haroldo, após dez anos de grande sucesso. Após isso o autor se dedicou a pintura, e aparece ocasionalmente para entrevistas ou eventos.
A Última Tirinha
A última tirinha das aventuras do garoto e seu tigre de pelúcia evoca uma sensação de melancolia nos leitores, ao mesmo tempo em que transmite a ideia de um futuro repleto de esperança e possibilidades.
“Calvin: – Uau, nevou pra valer na noite passada! Não é maravilhoso?
Haroldo: – Tudo que já era conhecido desapareceu! O mundo parece novinho em folha!
Calvin: – Um ano novo… um novo começo fresco e limpo!
Haroldo: – É como ter uma grande folha branca de papel pra desenhar!
Calvin: – Um dia cheio de possibilidades!
Calvin: – É um mundo mágico, Hobbes, meu velho … vamos explorá-lo!”
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