Com a iminência das eleições para presidente nos Estados Unidos, o lançamento do filme “Guerra Civil” ocorre em um momento de intensa polarização política e social no país. Enquanto os americanos se preparam para decidir o futuro de sua nação nas urnas, o filme de Alex Garland oferece uma visão sombria e perturbadora de um país dividido pela guerra civil.
A fragilidade do sistema democrático é colocada em evidência no filme, quando eventos críticos levam os Estados a se colocarem em posições antagônicas. Sem querer entrar em discussões políticas mais aprofundadas, Gardner utiliza eventos recentes na história americana para explorar o que aconteceria se o presidente rompesse com as instituições democráticas e tentasse dar um golpe de poder. Uma reflexão válida em nossos dias, que vem sendo discutida em muitos países, inclusive no Brasil. O caos é a resposta de Gardner, pois em meio ao conflito oficial entre Estados surgem grupos armados para defender o governo, combate-lo ou defender suas próprias ideologias e tentar forçar o caminho do poder.
A Imprensa na Guerra Civil
O cenário distópico, contudo, e suas possíveis reflexões políticas e filosóficas, não é o foco do filme de Garland. Se a princípio o filme anuncia algo que parece até mesmo panfletário, semelhante ao episódio de “The Simpsons” que ajudou o atual presidente a se eleger na última eleição presidencial americana, o pouco tempo de cena do presidente mostra que não vai ficar nisso.
Esse pode ser visto como um ponto fraco do filme, ou como uma tentativa da produção de evitar haters. Mas também pode ser visto como algo positivo, já que o road movie entrega uma trama humana sobre o trabalho da imprensa e sobre as pessoas que estão na linha de frente da cobertura jornalística, como os correspondentes de guerra.
A história usa a guerra civil como pano de fundo para mostrar a importância da imprensa em situações de crise, aqui representados por quatro personagens principais: a fotojornalista Lee Smith (Kirsten Dunst) e seu colega repórter Joel (Wagner Moura, cada vez mais internacional), a serviço da Reuters; o jornalista Sammy (Stephen McKinley Henderson), do New York Times; e a fotojornalista Jessie Cullen (Cailee Spaeny). O quarteto está unido pela profissão, pela admiração mútua e pela coragem de seguir em frente em uma situação caótica.
Contrapontos e Arquétipos
Funcionando como arquétipos, mas sem exageros que prejudiquem a narrativa, cada um deles lida com os fatos de uma maneira diferente. Enquanto Lee age de maneira mais calejada, o simpático Joel assusta em alguns momentos pelo prazer que demonstra em meio aos tiroteios, mostrando que o vício em adrenalina era parte do que o motivava a continuar na profissão.
O olho de Lee já viu tantas atrocidades que parece ter se tornado insensível ao que olha pelo visor de sua câmera, o que não a impede de ser uma ótima profissional. Se o que vê a afeta ela guarda isso num espaço bem fundo. O personagem de Caille Spaeny (Jessie Cullen), admiradora de Lee, ainda tem seus olhos inocentes, se choca com o que vê. O contraste entre as duas é um motor poderoso para a trama, e merecia ser mais explorado.
Já o personagem Sammy (Stephen McKinley Henderson) carrega a voz da experiência, mas com sabedoria de quem sabe que nada é fácil neste mundo. O personagem, assim como Jessie Cullen e Joel, funcionam como contrapontos a Lee. De forma arquetípica, cada um deles permite que olhemos a realidade dos acontecimentos sob uma ótica diferente. Se existe alguma metáfora neste filme, que prima pelo realismo e pelo discurso direto, é perceber que é possível ter diferentes visões verdadeiras sobre um mesmo fato sem que nenhuma delas possa ser de fato excluída.
Embora o movimento da trama histórica do filme seja a necessidade de resolver o golpe de Estado, com movimentos sendo organizados para derrubar o presidente e retomar a normalidade, a discussão principal fica por conta da atuação da imprensa neste cenário. Os quatro personagens principais estão ali para registrar, para contar uma história de forma mais fiel possível, não para discutir os acontecimentos.
Isso incomoda quem foi ver o filme esperando mais debates sobre democracia e governabilidade, mas de forma alguma é irrelevante. O filme explora muito mais a dificuldade que existe em aprofundar-se na análise de algo que está acontecendo em tempo real, e que normalmente só é possível depois de um tempo. Fazer isso num road movie pode ter sido uma ótima escolha, embora em alguns momentos incomode a falta de uma reflexão.
Atuações Marcantes
Tanto Moura quanto Dunst têm sido amplamente elogiados pelo público e pela crítica especializada por suas performances em “Guerra Civil”. A química entre os dois é o ponto alto do filme, embora os momentos de Dunst com Caille Spaeny merecessem mais tempo de tela. O carisma dos atores é o que garante que fiquemos aflitos a cada instante temendo pelas suas vidas enquanto tiros ressoam a todo instante.
Para os brasileiros a presença de Wagner Moura é um atrativo a mais para assistir o filme. Embora o seu papel exista para exercer uma função de contraste em relação ao de Dunst, ou de alívio cômico necessário em um filme tão tenso, sua atuação segura garante que o mesmo não se perca em meio aos tiroteios. Moura também ressalta que, apesar do seu personagem não ser “brasileiro”, ele faz questão de manter um certo sotaque para lembrar o público de onde ele veio. Consciente, também, da mensagem que o filme passa, ele lembra em entrevistas como é relevante lembrar da importância da imprensa e de como inibir a cobertura jornalística é o primeiro passo de todo governo autoritário.
“Quando não é brasileiro, eu digo para as pessoas: olha, ele vai ser brasileiro por duas razões. Uma é porque eu acho que os personagens, eles são sempre um reflexo muito grande da gente, de quem nós somos. E também por uma questão política todo personagem que eu faço aqui, eu faço questão de falar com o meu sotaque, do jeito que eu falo, porque eu represento uma parcela grande não só de brasileiros, mas de imigrantes que falam com acento diferente, com sotaque diferente”, diz o ator.
Em alguns aspectos “Guerra Civil” tem sido comparado a “Children of Men” (Filhos da Esperança), dirigido por Alfonso Cuarón, e a “The Road” (A Estrada). As paisagens desoladoras e a temática de personagens lutando para sobreviver em um mundo pós-apocalíptico estão sempre retornando em filmes americanos. O filme de Garland, fã de ficção científica, talvez se destaque por trazer este mundo distópico para o presente, num cenário muito próximo da realidade que vivemos. Eventos como a invasão do capitólio nos EUA, ou do Planalto no Brasil, estão muito recentes em nossa memória, e faz pensar como os eventos do filme estão próximos da nossa realidade, muito mais do que no caso dos outros filmes citados.
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