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Jesus Histórico – Quem foi ele de verdade?

O Jesus dos Evangelhos e o Jesus Histórico podem ser considerados a mesma pessoa?

Tempo de Leitura: 9 minutos

O Jovem Rebelde de Nazaré

Em um humilde vilarejo de Belém, por volta do ano 6 ou 4 a.C., um jovem casal precisou passar a noite em um estábulo durante uma viagem à sua terra natal, quando as dores do parto mostraram que tinha chegado a hora de seu filho nascer. Sem muitos recursos, pois sua família não era dali, eles receberam o garotinho e lhe chamaram Jesus (Yeshua em sua língua original). Um nome comum, para alguém que não teria muito de comum em sua vida dali em diante.

Jesus nasceu em um período de domínio romano na região da Judeia. Era a época do reinado do rei Herodes, contra quem muitas profecias ameaçadoras eram feitas, e que eram respondidas com crucificações à beira da estrada e outras medidas autoritárias pra lembrar aos judeus quem estava no poder. Uma dessas profecias falava na vinda de um messias, um libertador, que muitos hebreus acreditavam que faria algo semelhante ao que Moisés fez no Egito. A realização desta profecia era uma ameaça para Roma, pois um libertador seria também um novo rei para os judeus, e talvez capaz de ameaçar o poderio do Império Romano.

Sabendo da possibilidade do nascimento deste libertador, e sem poder identificá-lo, o rei ordenou o massacre de recém-nascidos. Maria e José, pais de Jesus, alertados de forma sobrenatural, fugiram para o Egito pra que seu filho sobrevivesse. Só alguns anos depois, após a morte de Herodes, eles puderam retornar à sua terra, passando a habitar em Nazaré, na Galileia, uma região afastada e predominantemente agrícola. Ali, Jesus cresceu sob a simplicidade de um lar judaico, aprendendo o ofício de carpinteiro com seu pai.

A infância de Jesus é um mistério para os evangelhos, mas, segundo Lucas, aos 12 anos ele já demonstrava sabedoria incomum ao debater com mestres no Templo de Jerusalém durante a celebração da Páscoa. O contexto da época era marcado pela tensão entre os judeus e o Império Romano. A opressão econômica e cultural alimentava a esperança messiânica entre o povo, que aguardava um libertador prometido pelas Escrituras.

Foi apenas por volta dos 30 anos, durante o governo de Tibério César (cerca de 26 d.C.), que Jesus começou a aparecer publicamente. Antes disso, ele procurou João Batista, um profeta que pregava arrependimento e batizava no rio Jordão. O batismo de Jesus marcou o início de seu ministério, no qual ele passou a proclamar o Reino de Deus. O gesto também refletia a busca de Jesus por se alinhar às tradições judaicas, mesmo enquanto reinterpretava sua fé.

Nos anos seguintes, Jesus percorreu a Galileia e a Judeia, ensinando multidões, realizando milagres e desafiando as autoridades religiosas. Ele andava entre pescadores, cobradores de impostos, camponeses e doentes, escolhendo seus discípulos entre os marginalizados. Sua mensagem central era a de amor, compaixão e justiça, mas também uma crítica às hipocrisias da elite religiosa, representada pelos fariseus e saduceus. Para muitos, ele era um mestre; para outros, um herege perigoso.

Em 30 ou 33 d.C., durante a celebração da Páscoa judaica em Jerusalém, Jesus entrou na cidade montado em um jumento, em um gesto simbólico que evocava a profecia messiânica de Zacarias. A tensão cresceu. Sua expulsão dos comerciantes do Templo foi vista como uma afronta direta às autoridades religiosas e romanas. Naquela época, Pôncio Pilatos governava a Judeia, e os romanos não hesitavam em reprimir possíveis insurreições.

Traído por um de seus discípulos, Judas Iscariotes, Jesus foi preso sob acusações de blasfêmia e sedição. Julgado por um tribunal judaico e, posteriormente, por Pilatos, foi condenado à crucificação, um método cruel reservado para os considerados inimigos do Estado. Carregando sua cruz até o Gólgota, ele foi executado aos 33 anos. Mas seus discípulos passaram a afirmar publicamente que ele não estava morto, que três dias depois de sua morte ele ressuscitou, aparecendo a multidões que poderiam confirmar a história. Assim, o que parecia ser o fim de uma história, se tornou o início de uma muito maior.

Jesus Histórico
Representação de Jesus nas catacumbas de Commodilla (século IV) – Uma das mais antigas ilustrações do Jesus Histórico

Jesus visto através dos Evangelhos

Muitos textos foram escritos sobre a vida de Jesus, porém apenas alguns deles são considerados oficiais por seus seguidores, e por isso são chamados de evangelhos sinóticos (cartas anunciando a “boa nova” que possuem uma mesma visão interpretativa), compondo o cânon dos livros sagrados que formariam os livros do Novo Testamento.

Os evangelhos canônicos concordam em apresentar Jesus como um mestre e profeta que pregava sobre o Reino de Deus. Ele desafiava normas religiosas e sociais, atraía multidões com seus ensinamentos e realizava milagres, como curas, exorcismos e até a ressurreição de mortos. Sua mensagem central girava em torno do amor a Deus e ao próximo, da compaixão pelos marginalizados e da necessidade de arrependimento e transformação.

Cada evangelho apresenta nuances específicas sobre a identidade de Jesus.

  • Mateus enfatiza Jesus como o cumprimento das profecias judaicas, o Messias prometido que traz a nova lei, semelhante a Moisés.
  • Marcos, geralmente considerado o mais antigo dos evangelhos, destaca o aspecto de Jesus como o servo sofredor, aquele que aceita o sofrimento como parte de sua missão.
  • Lucas apresenta um Jesus compassivo, com atenção especial aos pobres, mulheres e estrangeiros, ampliando a universalidade de sua mensagem.
  • João, por outro lado, foca na dimensão divina de Jesus, identificando-o como o “Verbo” eterno de Deus que se fez carne.

Todos os evangelhos culminam com a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Sua crucificação, sob o governo de Pôncio Pilatos, é descrita como o momento culminante de sua missão, um sacrifício redentor que permite a salvação da humanidade. Após sua ressurreição, os textos narram aparições de Jesus aos discípulos, que fortalecem sua fé e os impulsionam a espalhar sua mensagem.

Quem realmente foi Jesus?

Embora seja entendido por alguns estudiosos como um mito pela pouca produção oficial registrando sua passagem, existe também um número considerável de estudiosos que apontam argumentos sérios para a existência de um Jesus histórico. Entre os argumentos utilizados por estes últimos está a própria figura sofredora do personagem principal. Jesus não é um herói típico, não lutou ou obteve vitórias militares, não esteve envolvido em grandes eventos históricos, e sua vida é um paradoxo cultural: ao mesmo tempo que expressava seu profundo conhecimento e respeito pela cultura judaica, a contradizia questionando sua prática. Tal personagem parece tão diferente que seria difícil ser produto de uma cultura que pretendia desafiar um império.

Fontes externas aos evangelhos, como os escritos do historiador judeu Flávio Josefo e do romano Tácito, mencionam a existência e eventos ligados aos evangelhos. Josefo, em suas “Antiguidades Judaicas“, refere-se a Jesus como um homem sábio e líder, que foi crucificado sob Pilatos. Tácito, em seus “Anais“, descreve a execução de Jesus e o crescimento da seita cristã que surgiu após sua morte. Essas menções confirmam que Jesus era uma figura conhecida em seu tempo, embora as descrições sejam breves e influenciadas pelo contexto das fontes.

Historicamente, Jesus é interpretado como um pregador itinerante judeu que viveu em um período de intensa agitação social e política. A Palestina estava sob o domínio do Império Romano, e o povo judeu ansiava por libertação. Diversos movimentos messiânicos surgiram nesse período, prometendo o advento de um reino divino que traria justiça e liberdade. O Jesus histórico é compreendido dentro desse contexto como um líder religioso que desafiou as estruturas existentes, tanto as autoridades judaicas quanto a ocupação romana.

Embora os evangelhos atribuam a Jesus inúmeros milagres, os historiadores focam principalmente em suas atividades como mestre e profeta. Suas parábolas – histórias curtas com lições morais e espirituais – são consideradas autênticas, dado seu estilo único e enraizado nas tradições judaicas da época. Além disso, sua crucificação é vista como um fato histórico, dado que era uma prática comum usada pelos romanos para punir crimes como insurreição.

Diferenças Entre os Evangelhos e a Pesquisa Histórica

Os evangelhos, embora considerados documentos históricos por muitos cristãos, não têm como objetivo principal narrar fatos históricos no sentido moderno. Eles foram escritos décadas após a morte de Jesus, com o propósito de transmitir fé e teologia. Suas diferenças – por exemplo, nas genealogias de Jesus, nos detalhes da crucificação e nas narrativas da ressurreição – refletem as perspectivas e públicos específicos de seus autores.

A pesquisa histórica tenta reconstruir a figura de Jesus com base em critérios de autenticidade, como múltiplas fontes, coerência com o contexto histórico e independência dos relatos. Essa abordagem sugere que Jesus era um judeu profundamente enraizado em sua cultura, que via sua missão como parte do plano divino para Israel. No entanto, muitos aspectos, como seus milagres e sua ressurreição, são interpretados como elementos de fé, não verificáveis por métodos históricos.

A Importância de Jesus na História e na Cultura

Independentemente das diferenças entre o Jesus dos evangelhos e o Jesus histórico, sua influência é inegável. Sua mensagem transformou a vida de seus seguidores, que, apesar da perseguição inicial, espalharam sua doutrina pelo Império Romano e além. A fé em Jesus como Cristo (o Ungido, ou Messias) moldou não apenas a história do cristianismo, mas também da civilização ocidental.

Culturalmente, Jesus é uma figura multifacetada, representada de maneiras diversas ao longo dos séculos: como o Redentor divino, o exemplo de compaixão e justiça, e até como um símbolo de resistência contra a opressão. Sua vida e mensagem transcenderam barreiras religiosas e culturais, inspirando obras de arte, literatura, música e filosofia.

Jesus de Nazaré, conforme apresentado nos evangelhos, é tanto um ser divino quanto profundamente humano. Para os cristãos, ele é o Filho de Deus, o Salvador que trouxe esperança e redenção. Para os historiadores, ele é um pregador judeu que viveu em um tempo de turbulência e transformou a maneira como muitos viam o mundo e a espiritualidade. O diálogo entre fé e história sobre Jesus continua a enriquecer nossa compreensão dessa figura que permanece, séculos depois, no centro das buscas humanas por significado, justiça e transcendência.

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