Milton Nascimento é mais que um cantor: é a voz que embala sonhos, resistências e encontros. Uma jornada poética que ecoa para sempre em nossos corações.
Tempo de Leitura: 6 min
A Emoção em Tela Grande
Na noite de uma segunda-feira especial, Milton Nascimento se sentou na primeira fileira de um cinema carioca para assistir a um filme sobre sua própria vida. Aos 82 anos, depois de tantas décadas dedicadas à música, ele já viveu momentos inesquecíveis nos palcos e nos bastidores.
Mas ver sua trajetória projetada na tela grande, através dos depoimentos de tantos artistas e amigos que marcaram sua jornada, trouxe uma emoção diferente. Com um sorriso sereno e olhos marejados, Bituca, como é carinhosamente chamado, mergulhou na narrativa de um documentário que celebra sua arte e seu legado.
O filme “Milton Bituca Nascimento” não é apenas um relato cronológico, mas um registro afetivo dos bastidores de sua turnê de despedida, em 2022. A obra traz o testemunho de mais de 40 personalidades que expressam sua admiração pelo cantor e compositor, reafirmando o impacto de sua música para além das fronteiras brasileiras.

É grande o número de admiradores famosos, experientes e recém chegados, tocados pela arte de Milton Nascimento. Gilberto Gil, Djavan, Chico Buarque, João Bosco e Ivan Lins são algumas das vozes experientes que falam sobre a genialidade ele, enquanto artistas mais jovens, como Maria Gadú e Tim Bernardes, revelam como sua obra segue viva e pulsante para novas gerações.
A universalidade da música de Milton se confirma também nos depoimentos de grandes nomes internacionais. O jazzista Wayne Shorter, o baixista Stanley Clarke, o pianista Herbie Hancock e até Paul Simon demonstram seu respeito pela sonoridade única do brasileiro.
No cinema, Milton escutava cada uma dessas vozes com humildade e emoção, relembrando os laços criados ao longo da carreira. Outro momento marcante foi quando Spike Lee surgiu na tela para contar sobre seu encanto pelo artista, ao lado de Fito Páez, que representou o amor dos vizinhos argentinos pelo som inconfundível do cantor mineiro.
A voz inconfundível de Fernanda Montenegro, que narra o documentário, guia o público por reflexões que vão além da música. Questões raciais, que marcaram a vida e a carreira de Milton Nascimento, são abordadas em relatos impactantes.
O racismo enfrentado na infância, em Minas Gerais, ressoa nos discursos de Djamila Ribeiro, Mano Brown, Criolo e Djonga, que contextualizam a importância de Bituca na representatividade negra na cultura brasileira. O artista, que sempre fez da sua música um espaço de acolhimento e resistência, se viu refletido nessas falas, com o olhar atento e a mente mergulhada em recordações.
No entanto, o filme não ignora as fragilidades do tempo. Milton, que já não se apresenta nos palcos, enfrenta desafios de saúde. O documentário toca brevemente no tema, trazendo à tona a recente revelação de que ele tem Parkinson.
Esse detalhe adiciona ainda mais peso emocional ao filme, reforçando a importância de celebrar sua trajetória enquanto ele ainda pode sentir o calor desse reconhecimento. Para os fãs presentes na sessão de pré-estreia, foi um momento de gratidão e reverência.

Ao final da projeção, quando as luzes se acenderam, Milton permaneceu por um instante em silêncio, absorvendo tudo o que acabara de assistir. Os aplausos se espalharam pela sala, misturados a sorrisos e lágrimas discretas. Em meio ao carinho do público e dos amigos, ele resumiu seu sentimento em poucas palavras: “Muita felicidade. Sou grato por tudo isso”.
Era um agradecimento sincero, vindo de um homem que fez da música um elo de amizade e amor com o mundo. E, naquela noite, o mundo retribuiu.
Nos Bailes da Vida – A Trajetória de Milton Nascimento
Milton Nascimento nasceu para cantar. E mais do que isso, nasceu para emocionar. Desde menino, quando olhava o mundo com os olhos curiosos de quem já trazia a arte na alma, a música era seu refúgio e sua ponte para o infinito.
Em Minas Gerais, entre montanhas e estradas de terra batida, cresceu cercado pelo som dos sinos, dos rios e das vozes que, mais tarde, encontrariam eco em suas canções.
Seu nome é Milton Nascimento, mas o Brasil o chama de Bituca. Um menino negro, adotado por uma família amorosa, que cedo descobriu o poder transformador da música. Ouvia rádio com avidez, absorvendo as melodias como quem bebe a vida em goles profundos.
E foi nesse encantamento que seu destino começou a se desenhar, primeiro no Clube da Esquina, ao lado de amigos como Lô Borges e Beto Guedes, depois nas estradas do mundo, onde sua voz atravessou fronteiras e encontrou morada em corações de todas as línguas.
Sua música nunca foi só música. Foi um abraço, um grito de liberdade, uma oração de esperança. De “Travessia”, que o apresentou ao Brasil em 1967, até os hinos que marcaram gerações, Milton Nascimento compôs com a alma e cantou com o coração.
Seu canto veio das montanhas, sim, mas também das dores e alegrias de um povo que encontrou em suas melodias o espelho de sua própria existência. “Ninguém sabe o duro que dei”, cantava, e cada nota era testemunho da caminhada que trilhou com coragem e poesia.
Ao longo da carreira, Bituca encantou gigantes da música mundial. Cantou com Wayne Shorter, dividiu acordes com Herbie Hancock, emocionou Paul Simon. No Brasil, sua presença foi um elo entre gerações: Djavan, Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Gadú, Tim Bernardes. Todos, de alguma forma, aprenderam com ele, beberam da sua fonte inesgotável de lirismo e verdade.
Mas Milton Nascimento não era só sua música. Era também sua resistência. Negro, adotado, filho das estradas e das vozes silenciadas pelo preconceito, ele transformou sua trajetória em símbolo de luta e resiliência.
Falou do Brasil com ternura, mas também com firmeza. Em “Coração de Estudante”, ajudou a embalar a luta pela democracia. Em “Maria, Maria”, celebrou a força das mulheres que nunca deixam de sonhar.
O tempo passou, as canções continuaram a ecoar e Bituca, mesmo longe dos palcos, segue sendo o poeta das nossas vidas. Hoje, seu nome está gravado na história, mas mais do que isso, está guardado no peito de cada um que já se encontrou em suas letras. Porque, como ele mesmo disse, “qualquer dia, qualquer hora, a gente se encontra”. E sua música, essa nunca partirá.
Veja mais artigos sobre história e músicas que nos emocionam.