Avançar para o conteúdo
ariano suassuna

Lilia Schwarcz | “Imagens da Branquitude” e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

Conhecida por seu livro mais recente, “Imagens da Branquitude”, a autora Lilia Schwarcz possui um trabalho sólido na análise do racismo e do autoritarismo na história da sociedade brasileira que valem a pena ser conhecidos e estudados. Saiba um pouco mais sobre eles!

Tempo de Leitura: 22 min

Lilia Schwarcz e o livro “Imagens da Branquitude”

Lilia Moritz Schwarcz, uma das mais importantes historiadoras e antropólogas brasileiras, tem se dedicado há décadas ao estudo das relações raciais, das hierarquias sociais e da formação da identidade nacional. Em seu livro Imagens da branquitude, publicado em 2022, ela aborda um tema ainda pouco explorado no Brasil: a construção social e simbólica da branquitude.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

A obra investiga como o conceito de ser “branco” foi se consolidando ao longo da história e como essa identidade se manifesta em representações visuais, na cultura e na estrutura de poder da sociedade brasileira.

O ponto de partida do livro é a ideia de que a branquitude não é apenas uma condição biológica, mas um conceito socialmente construído e historicamente privilegiado. Schwarcz analisa como a branquitude se tornou o padrão de normatividade no Brasil, sendo associada a valores positivos como civilização, progresso e poder.

Ao mesmo tempo, a obra expõe como essa construção se baseia na exclusão e na marginalização de pessoas racializadas, especialmente negras e indígenas, que foram historicamente colocadas à margem da sociedade.

Um dos aspectos mais marcantes do livro é o uso de imagens e representações visuais como fontes de análise. Schwarcz se debruça sobre pinturas, fotografias, propagandas, obras de arte e outros registros visuais para demonstrar como a branquitude foi sendo construída e reforçada ao longo do tempo. Desde os retratos da elite colonial até as campanhas publicitárias modernas, a autora identifica padrões que evidenciam a hegemonia da branquitude e sua naturalização como símbolo de status e poder.

No contexto da história brasileira, Schwarcz discute como a branquitude se consolidou desde o período colonial. O mito da democracia racial, tão propagado no século XX, serviu para ocultar as profundas desigualdades raciais no país e para perpetuar a ideia de que o Brasil teria superado o racismo.

A autora argumenta, contudo, que essa narrativa ajudou a reforçar a centralidade da branquitude, ao mesmo tempo em que minimizou a persistência da discriminação racial.

Outro ponto fundamental do livro é a relação entre branquitude e privilégios. Schwarcz explica como ser branco, no Brasil, significa ocupar uma posição de vantagem em diferentes esferas da vida social, econômica e política.

Esse privilégio se manifesta de maneira sutil e cotidiana, desde as oportunidades no mercado de trabalho até o tratamento recebido por instituições como a polícia e o sistema judiciário. A branquitude, segundo a autora, não é percebida por aqueles que a possuem como um privilégio, mas sim como uma condição “neutra”, o que contribui para sua perpetuação.

A obra também se aproxima de debates contemporâneos ao discutir como a branquitude se relaciona com padrões de beleza, consumo e cultura de massas. Schwarcz analisa, por exemplo, como as indústrias do cinema, da moda e da publicidade reforçam a ideia de que a pele clara é o ideal estético dominante.

A ausência de diversidade racial nos espaços de poder e representação, segundo a autora, não é acidental, mas resultado de um processo histórico que privilegia certos grupos em detrimento de outros.

Além da análise visual e histórica, Imagens da branquitude dialoga com teorias críticas sobre raça e identidade, incorporando contribuições de estudiosos como Frantz Fanon, bell hooks e Stuart Hall. Essa interlocução permite que Schwarcz aprofunde a discussão sobre os efeitos da branquitude não apenas como um fenômeno histórico, mas como uma estrutura que continua operando nos dias de hoje.

O livro tem grande importância no cenário brasileiro, pois desafia a naturalização da branquitude e convida o leitor a refletir sobre como as relações raciais são moldadas por um sistema de poder que privilegia determinados grupos.

Ao expor a construção da branquitude como um processo histórico e social, Schwarcz contribui para o debate sobre a necessidade de políticas antirracistas e de uma maior diversidade nos espaços de representação e poder.

A Jornada da Autora

O tema e o método abordado por Lilia Schwarcz no livro “Imagens da Branquitude” já faz parte do repertório da autora a alguns anos, e não é por acaso que ela demonstra grande domínio neste tipo de análise. Seus livros, conhecidos pela abordagem interdisciplinar, combinando história, antropologia, sociologia e estudos culturais, tem demonstrado a dedicação dela na análise de temas como raça, identidade, poder e construção da memória nacional.

6 Livros que reconstroem o olhar histórico e antropológico da história do Brasil

1. Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX

Publicado originalmente em 1987, o livro Retrato em Branco e Negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX, de Lilia Moritz Schwarcz, é uma análise profunda sobre as transformações sociais ocorridas na virada do século XIX para o XX no Brasil, especialmente no que diz respeito às relações raciais e ao papel da imprensa na construção da cidadania.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

A obra examina a forma como os jornais paulistas representaram os escravizados, os libertos e os cidadãos brancos durante um período de intensas mudanças políticas e econômicas, lançando luz sobre os desafios da transição do trabalho escravo para o trabalho livre.

O livro se insere dentro do campo dos estudos sobre a escravidão e o pós-abolição, trazendo uma abordagem inovadora ao focar no discurso da imprensa e em suas estratégias de representação da sociedade em transformação.

Schwarcz parte da premissa de que os jornais desempenharam um papel fundamental na construção das hierarquias raciais, reforçando estereótipos e naturalizando desigualdades. Ao analisar as páginas desses periódicos, a autora revela como a sociedade paulista lidava com a presença dos ex-escravizados na vida pública e como as elites buscaram estabelecer limites à sua participação na cidadania.

A obra está estruturada em torno de uma investigação detalhada dos jornais da época, que servem como fonte primária para entender as narrativas construídas sobre a transição do regime escravista para o trabalho assalariado.

Schwarcz evidencia que a imprensa, ao mesmo tempo em que comemorava o fim da escravidão como um avanço civilizatório, também alimentava discursos que associavam os libertos à marginalidade e ao atraso. Esse processo contribuiu para a exclusão social e política dos ex-escravizados, demonstrando que a abolição não significou, necessariamente, a incorporação plena dos negros na sociedade como cidadãos de direitos.

Um dos pontos centrais da análise de Schwarcz é a forma como a branquitude se consolidou como um ideal social e político, em contraste com a representação dos negros. A imprensa da época, de acordo com a autora, reforçava a ideia de que a modernização e o progresso estavam ligados à população branca e aos imigrantes europeus, enquanto os negros eram frequentemente retratados como um problema social. Assim, os jornais não apenas refletiam as tensões da época, mas também contribuíam para a manutenção das desigualdades raciais.

Outro aspecto relevante do livro é a maneira como Schwarcz articula sua análise histórica com questões de linguagem e discurso. Ao examinar os textos jornalísticos, ela demonstra como determinadas palavras e construções narrativas ajudavam a consolidar uma visão racializada da sociedade. Esse método de análise, inspirado na antropologia e na história cultural, confere à obra um caráter interdisciplinar, enriquecendo sua interpretação sobre o período estudado.

Além de explorar a representação dos negros, Retrato em Branco e Negro também discute o impacto das transformações econômicas na sociedade paulista. A substituição da mão de obra escrava pela força de trabalho livre trouxe desafios tanto para os ex-escravizados quanto para os novos trabalhadores imigrantes.

Schwarcz evidencia como os jornais se posicionavam diante dessas mudanças, frequentemente defendendo políticas de incentivo à imigração europeia e reforçando uma ideia de progresso atrelada ao branqueamento da população.

O livro tem grande relevância dentro dos estudos sobre o racismo estrutural no Brasil, pois mostra como a exclusão dos negros não foi apenas um resultado da escravidão, mas também um processo ativo de marginalização que continuou após a abolição. Ao destacar o papel da imprensa nesse contexto, Schwarcz ajuda a compreender como os meios de comunicação influenciam a construção das hierarquias sociais e a naturalização das desigualdades.

No campo historiográfico, a obra dialoga com importantes estudos sobre a escravidão e o pós-abolição, como os trabalhos de Emilia Viotti da Costa e Sidney Chalhoub. No entanto, Schwarcz se diferencia ao enfatizar a análise das representações midiáticas, oferecendo um olhar renovado sobre a transição para o trabalho livre e sobre as estratégias discursivas que moldaram o imaginário racial no Brasil.

Em termos de impacto, Retrato em Branco e Negro segue sendo uma referência essencial para pesquisadores das áreas de história, antropologia e comunicação, bem como para todos aqueles interessados em compreender as raízes das desigualdades raciais no Brasil.

2. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930

Em “O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930” (1993), ela examina como o pensamento racial do final do século XIX e início do século XX contribuiu para a criação de políticas de embranquecimento e para a marginalização das populações negras e indígenas. Se antes ela abordou a questão do trabalho na construção da identidade, neste trabalho ela demonstra como o racismo se utilizou de estudos e discursos reconhecidos pela comunidade científica no Brasil para se perpetuar.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

O livro se insere dentro do campo dos estudos sobre racismo científico, explorando como ideias importadas da Europa foram adaptadas ao contexto brasileiro para justificar tanto a desigualdade social quanto a construção de um ideal nacional.

Schwarcz analisa o papel de instituições como o Museu Nacional e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, além das contribuições de cientistas e intelectuais que difundiram teorias racialistas e eugenistas, muitas vezes sustentadas por interpretações equivocadas do darwinismo social e da antropologia física.

Um dos principais argumentos do livro é que, no Brasil, o pensamento racial oscilou entre a crença na inferioridade das populações negras e indígenas e a valorização da miscigenação como um caminho para o “branqueamento” da população.

Enquanto em países como os Estados Unidos as políticas raciais frequentemente se baseavam na segregação e na exclusão dos não brancos, no Brasil desenvolveu-se o mito da democracia racial, que, segundo Schwarcz, serviu para mascarar as hierarquias raciais e manter os privilégios das elites brancas.

A autora também destaca o papel de figuras como Nina Rodrigues, Sílvio Romero e Oliveira Viana, que contribuíram para a formação de um discurso racialista no Brasil. Esses intelectuais, mesmo reconhecendo a miscigenação como uma característica da sociedade brasileira, muitas vezes viam-na como um problema a ser corrigido por meio de políticas de imigração europeia e de controle populacional. Assim, a ideia de uma “raça brasileira” foi construída de maneira contraditória: ao mesmo tempo em que se exaltava a diversidade, promovia-se um ideal de branqueamento progressivo.

Outro ponto importante discutido por Schwarcz é o papel das exposições e mostras científicas na popularização dessas teorias. O título do livro, O espetáculo das raças, faz referência a como a ciência racial era frequentemente apresentada ao público de maneira teatral e visual, com medições cranianas, classificação de tipos raciais e exibições de grupos indígenas como se fossem curiosidades exóticas. Essas práticas reforçavam a ideia de que havia uma hierarquia racial natural e que certos grupos estavam destinados a ocupar posições subalternas na sociedade.

Schwarcz também investiga a relação entre ciência e política, mostrando como essas teorias influenciaram políticas públicas e práticas institucionais, como a educação, o policiamento e a saúde pública. A crença na degeneração racial, por exemplo, levou a medidas de controle sobre a população negra e indígena, enquanto a valorização da imigração europeia serviu para moldar a composição demográfica do país.

A obra se destaca pelo rigor da pesquisa e pela abordagem interdisciplinar, combinando história, antropologia e sociologia para oferecer uma visão abrangente do tema. Além disso, Schwarcz problematiza o legado dessas teorias no presente, argumentando que, embora o racismo científico tenha sido desacreditado, suas consequências ainda podem ser observadas nas desigualdades raciais persistentes no Brasil.

3. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos

Publicado em 1998, As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos, de Lilia Moritz Schwarcz, é uma biografia inovadora que examina a figura de Dom Pedro II não apenas como um governante, mas também como um símbolo da construção da identidade nacional brasileira. A obra se destaca por sua abordagem que combina história, antropologia e crítica cultural, oferecendo uma análise profunda do significado do imperador dentro do imaginário coletivo brasileiro.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

Ao longo do livro, Schwarcz investiga como Dom Pedro II foi representado e se auto-representou ao longo de seu reinado, explorando o papel central que sua imagem desempenhou na legitimação do poder monárquico. A autora argumenta que o imperador cultivou deliberadamente uma persona de soberano ilustrado, racional e distante das extravagâncias típicas das monarquias europeias, buscando projetar uma identidade nacional baseada na ordem e na civilização.

Um dos aspectos mais inovadores do livro é sua análise do uso da imagem do imperador como instrumento político. Schwarcz demonstra como a iconografia oficial, incluindo retratos, fotografias e narrativas jornalísticas, ajudou a consolidar a ideia de Dom Pedro II como um monarca dedicado ao progresso, à ciência e à educação. A famosa figura do imperador com longas barbas brancas tornou-se um símbolo de estabilidade e continuidade, reforçando sua autoridade e o papel paternalista da monarquia.

A obra também destaca as contradições do reinado de Dom Pedro II. Apesar de sua postura modernizadora e de seu incentivo às artes e à ciência, o imperador governava um país profundamente desigual, marcado pela escravidão e por uma elite política conservadora. Schwarcz argumenta que a imagem de Dom Pedro II como um monarca esclarecido muitas vezes encobria essas contradições, ajudando a sustentar uma monarquia que, na prática, excluía a maioria da população da participação política.

Outro ponto crucial abordado no livro é a maneira como Dom Pedro II construiu sua imagem pública em contraposição a outros líderes da época. Diferentemente de imperadores europeus que enfatizavam o luxo e a grandiosidade, ele cultivava uma imagem de simplicidade e austeridade. Esse aspecto era reforçado por seu interesse em ciência e cultura, que o fez ser retratado como um monarca intelectual, mais próximo de acadêmicos e artistas do que da nobreza tradicional.

O livro também explora o impacto da queda da monarquia e do exílio de Dom Pedro II na construção de sua memória histórica. Schwarcz analisa como, mesmo após a Proclamação da República, a figura do imperador continuou a ser reverenciada, muitas vezes associada a um período de estabilidade e progresso perdido. Essa nostalgia monárquica foi alimentada por discursos e imagens que romantizaram seu governo e minimizaram seus desafios.

Ao longo da obra, Schwarcz utiliza uma vasta gama de fontes, incluindo pinturas, fotografias, documentos oficiais e jornais da época, para reconstruir a trajetória do imperador e o significado de sua imagem. Seu estilo de escrita acessível e detalhado torna o livro uma leitura envolvente tanto para historiadores quanto para o público geral interessado na história do Brasil.

As barbas do imperador recebeu o Prêmio Jabuti e se tornou uma referência essencial nos estudos sobre Dom Pedro II e a monarquia brasileira. Mais do que uma simples biografia, a obra convida o leitor a refletir sobre o papel das representações visuais e narrativas na construção da história e da identidade nacional. Com uma abordagem crítica e original, Lilia Moritz Schwarcz oferece uma visão renovada sobre um dos personagens mais emblemáticos da história brasileira.

4. O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as representações da natureza

Publicado em 2008, O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as representações da natureza, de Lilia Moritz Schwarcz, é uma investigação detalhada sobre a obra e o contexto histórico do pintor francês Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830), um dos principais artistas da Missão Artística Francesa que veio ao Brasil no início do século XIX. A obra examina a forma como Taunay retratou a natureza e a sociedade brasileira, evidenciando as tensões entre a visão europeia idealizada do Novo Mundo e a realidade tropical que o artista encontrou.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

Schwarcz parte do estudo da trajetória de Taunay para discutir um tema mais amplo: o encontro entre o olhar europeu e o território brasileiro no contexto da vinda da corte portuguesa para o Brasil e da criação da Academia Imperial de Belas Artes. A autora analisa como Taunay, um artista formado nos moldes neoclássicos da tradição europeia, buscou representar a paisagem e os costumes locais sem abandonar os padrões estéticos que trazia de sua formação na França.

A obra é dividida em capítulos que exploram tanto a biografia do pintor quanto sua produção artística e as mudanças de percepção que ele teve ao longo do tempo. Schwarcz demonstra que, inicialmente, Taunay tentou aplicar as convenções da pintura histórica europeia à representação da natureza tropical, buscando enquadrar o Brasil dentro de uma estética idealizada. No entanto, com o passar dos anos, o artista começou a se deparar com dificuldades para adaptar seu olhar europeu à complexidade da paisagem e da cultura local.

Um dos principais aspectos abordados no livro é a relação entre arte e poder. A Missão Artística Francesa foi um projeto diretamente ligado aos interesses da corte portuguesa e tinha o objetivo de modernizar as artes no Brasil, impondo um modelo acadêmico europeu à produção artística local. Taunay, como membro desse grupo, enfrentou desafios tanto na adaptação ao ambiente tropical quanto nas disputas políticas e institucionais que marcaram a fundação da Academia Imperial de Belas Artes.

Schwarcz analisa minuciosamente diversas obras de Taunay, destacando como suas pinturas revelam ambiguidades na forma de representar o Brasil. Por um lado, ele seguia as convenções acadêmicas europeias, utilizando composições equilibradas e harmoniosas; por outro, seus quadros também sugerem um certo estranhamento diante da vastidão da natureza tropical e da vida cotidiana brasileira. Essas contradições fazem de sua obra um testemunho visual valioso sobre a percepção europeia do Brasil no início do século XIX.

Outro ponto de destaque no livro é a maneira como Schwarcz insere a análise artística dentro de um panorama histórico mais amplo. Ela discute a formação de uma identidade visual brasileira no século XIX, mostrando como a presença da Missão Francesa contribuiu para a construção de uma iconografia nacional que, ao mesmo tempo em que buscava se afirmar, ainda estava profundamente ligada a padrões europeus.

Além da análise das obras de Taunay, Schwarcz também investiga sua trajetória pessoal, incluindo as dificuldades que enfrentou no Brasil e sua posterior frustração com o projeto da Academia Imperial. Após desentendimentos com o governo e outros artistas, Taunay retornou à França, onde sua experiência no Brasil teve um impacto duradouro em sua produção artística e em sua visão da arte.

5. Brasil: Uma biografia

Publicado em 2015, Brasil: Uma biografia, de Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Starling, é uma obra que propõe uma visão abrangente e crítica da história do Brasil, desde o período pré-colonial até os dias atuais. Com uma abordagem acessível e narrativa envolvente, as autoras constroem uma análise que transcende a simples cronologia dos eventos, focando nas continuidades, rupturas e contradições que moldaram o país.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

A principal proposta do livro é examinar a história do Brasil como um processo contínuo de disputas políticas, sociais e econômicas, sem recorrer a uma visão linear ou determinista. Schwarcz e Starling destacam como a desigualdade, a escravidão, o patrimonialismo e a concentração de poder foram elementos estruturais desde os tempos coloniais e continuam a influenciar o Brasil contemporâneo. Ao mesmo tempo, ressaltam a resistência, as lutas populares e os momentos de inovação democrática que marcaram a trajetória nacional.

O livro é dividido em capítulos que abordam momentos-chave da história brasileira, sempre buscando conectar passado e presente. As autoras analisam a colonização portuguesa e a economia baseada na exploração do trabalho escravizado, destacando como esses elementos estruturaram as relações sociais no país. A formação do Império, a transição para a República e os ciclos de autoritarismo e democracia são tratados com um olhar crítico, evidenciando as contradições de cada período.

Um dos grandes méritos da obra é a ênfase na diversidade cultural e na pluralidade de vozes que compõem a história do Brasil. As autoras exploram a participação de diferentes grupos sociais, como indígenas, africanos escravizados, mulheres e trabalhadores, frequentemente marginalizados nas narrativas históricas tradicionais. Essa abordagem permite uma compreensão mais ampla e complexa do desenvolvimento da sociedade brasileira.

Outro ponto forte do livro é a análise da persistência de estruturas de exclusão e privilégios. Schwarcz e Starling demonstram como, ao longo dos séculos, elites políticas e econômicas moldaram instituições de maneira a perpetuar desigualdades, dificultando a consolidação de uma cidadania plena. Ao mesmo tempo, mostram como a sociedade civil, em diferentes momentos, mobilizou-se para questionar e transformar essas estruturas, especialmente nos períodos de redemocratização.

As autoras também se debruçam sobre o século XX e XXI, discutindo a industrialização, os regimes militares, a redemocratização e os desafios da política recente. Elas analisam criticamente a construção da identidade nacional, desmistificando a ideia de um Brasil harmônico e cordial, frequentemente propagada por discursos oficiais.

6. Sobre o autoritarismo brasileiro

Publicado em 2019, Sobre o autoritarismo brasileiro, de Lilia Moritz Schwarcz, é um ensaio que analisa as raízes e permanências do autoritarismo no Brasil. A autora investiga como elementos autoritários atravessam a história do país, desde o período colonial até a contemporaneidade, evidenciando continuidades estruturais que ajudam a explicar a desigualdade, a violência e o enfraquecimento democrático.

Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com olhar antropológico e histórico da história do Brasil
Lilia Schwarcz | "Imagens da Branquitude" e mais 6 livros com seu olhar antropológico e histórico da história do Brasil

Schwarcz argumenta que o autoritarismo brasileiro não é episódico, mas estrutural, manifestando-se em diferentes formas ao longo dos séculos. O livro destaca alguns pilares desse autoritarismo, como a desigualdade social profunda, o racismo estrutural, a concentração de poder, o patrimonialismo e a repressão política. A autora mostra como essas características não apenas marcaram o passado, mas seguem presentes nas instituições e práticas políticas do país.

Um dos aspectos centrais da obra é a discussão sobre a escravidão e suas consequências para a sociedade brasileira. Schwarcz aponta que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e que essa herança se reflete até hoje na exclusão de grande parte da população negra das esferas de poder e no funcionamento desigual do sistema de justiça.

A violência policial, a criminalização da pobreza e a dificuldade de acesso a direitos básicos são apresentados como sintomas de um passado escravista que nunca foi plenamente enfrentado.

Outro tema abordado é o patrimonialismo, conceito que descreve a apropriação do Estado por elites políticas e econômicas. A autora demonstra como, desde o período colonial, as instituições brasileiras foram moldadas para beneficiar pequenos grupos, perpetuando privilégios e dificultando a ascensão social da maioria da população. Esse padrão se manteve tanto no Império quanto na República, atravessando períodos democráticos e ditatoriais.

O livro também discute os momentos de endurecimento do autoritarismo no Brasil, como o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985). Schwarcz analisa os mecanismos de repressão utilizados nesses períodos e como certos discursos autoritários continuam a ser reciclados na política atual. Ela observa que, mesmo após a redemocratização, práticas autoritárias persistiram, como o uso da força policial contra protestos e a criminalização de movimentos sociais.

Além da análise histórica, a autora reflete sobre os desafios do presente, destacando a ascensão de discursos extremistas e a fragilidade das instituições democráticas. O livro sugere que o autoritarismo brasileiro não é uma anomalia, mas uma característica enraizada que demanda esforços constantes para ser combatida. Para Schwarcz, a construção de uma democracia sólida exige enfrentar o racismo, reduzir as desigualdades e fortalecer a participação popular.


Ao longo de sua carreira, Schwarcz tem demonstrado um compromisso contínuo com a análise crítica da sociedade brasileira, bem como a construção teórica da identidade dos diversos grupos sociais que a compõem.

Sua abordagem interdisciplinar consegue se aprofundar em temas que seriam imperceptíveis para a maioria dos pesquisadores que se atém apenas a um espectro do conhecimento, como história ou antropologia. Longe de se manter dentro de uma única área do saber, Lilia se diferencia por conseguir manter seu olhar aberto a detalhes mais íntimos revelados em fotografias, iconografias e outros aspectos subjetivos da história do Brasil.

Essa leitura quase semiótica da realidade brasileira revela uma estrutura racista e autoritária em um nível que poucas abordagens seriam capazes de se igualar ou demonstrar profundidade semelhante.

Veja mais sobre livros de história e literatura.

Gostou deste conteúdo? Então não deixe de comentar e enviar sugestões. Sua opinião é essencial para continuarmos a desenvolver material de qualidade. A equipe do HcP agradece!

Deixe um comentário

Sobre o Autor

equipe

Valdiomir Meira é licenciado em História e Letras, com pós-graduação em metodologia de ensino da língua portuguesa, metodologias inovadoras de educação e semiótica. Sua grande paixão é ler, viajar e ensinar. Leitor dedicado de quadrinhos e pesquisador nas áreas de educação e mitologia. Além de outras atuações profissionais, como criação de conteúdo para internet e tutoriais, também é redator e editor de artigos para blogs.

Você poderá gostar também

Aprenda inglês rapidamente para viajar tranquilo
Português para concurso com questões comentadas
Avaliações editáveis no Word
Matemática simples e descomplicada!