“O Tempo e o Vento” foi um marco na TV brasileira, com sua adaptação épica da saga de Érico Veríssimo sobre a Revolução Farroupilha e os conflitos das famílias Terra Cambará e Amaral
Tempo de Leitura: 9 minutos
Ficha Técnica
“O Tempo e o Vento” (1985)
Emissora: TV Globo
Direção:
Paulo José, Denise Saraceni e Walter Campos
Roteiro: Doc Comparato e Regina Braga, baseado na trilogia de Erico Verissimo
Quantidade de Capítulos: 26 episódios
Elenco Principal:
Tarcísio Meira como Capitão Rodrigo Cambará, Glória Pires como Ana Terra, Louise Cardoso/Lilian Lemmertz/Lélia Abramo como Bibiana Terra Cambará, Daniel Dantas como Bolívar Cambará, Cláudio Alves/Armando Bogus como Licurgo Cambará e Gilberto Martinho como Coronel Ricardo Amaral.
Prêmios Recebidos:
Troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte): Melhor Ator (Tarcísio Meira)
Prêmio Ondas: Melhor Programa de Televisão da América Latina
Troféu Imprensa: Melhor Minissérie
Prêmio da Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira: Melhor Série de TV
Onde assistir:
Globoplay
Resumo
A minissérie “O Tempo e o Vento”, lançada pela TV Globo em 1985, é uma adaptação da trilogia literária homônima de Erico Verissimo, que narra a saga das famílias Terra Cambará e Amaral ao longo de 150 anos de história no Rio Grande do Sul. Dividida em 26 episódios, a minissérie adapta os fatos narrados no primeiro livro da trilogia do autor: “O Continente”, desenvolvendo-se ao longo várias décadas envolvendo as guerras de família pela colonização e posse da terra, a Revolução Farroupilha e as transformações políticas do século XIX. Este último aspecto seria mais abordado nos outros volumes da trilogia, tendo apenas pequenos elementos na minissérie.
Gravada em locações autênticas no Rio Grande do Sul, a produção se destaca pela fidelidade ao texto original e pela riqueza de detalhes históricos. A trama acompanha as gerações da família Terra Cambará, explorando temas como poder, honra, amor e conflito, enquanto personagens emblemáticos, como Capitão Rodrigo e Bibiana, atravessam o tempo enfrentando os desafios de um Brasil em constante mudança.
Com uma recepção calorosa do público e da crítica, a minissérie “O Tempo e o Vento” é considerada um marco na televisão brasileira, destacando-se pela excelência na produção, nas atuações e na narrativa, além de sua importância cultural ao revisitar e refletir sobre a história e a identidade do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Análise de “O Tempo e o Vento”
A trama da minissérie mescla histórias intimistas com eventos históricos de grande importância para a formação do Brasil, como Revolução Farroupilha e outros movimentos separatórios típicos do período regencial, no qual D. Pedro II ainda não podia assumir o reinado devido à sua idade. Em seus livros, Érico Veríssimo narra a saga de duas famílias rivais, os Terra Cambará e os Amaral, ao longo de mais de 150 anos de história no Rio Grande do Sul.
A adaptação feita pela TV Globo era a terceira imersão dramatúrgica na obra “O Tempo e o Vento”, já tendo sido adaptada pela TV Excelsior no formato de telenovela em 1967 e de filme em 1972. Este último, dirigido por Durval Garcia e estrelado pela atriz de origem italiana Rossana Ghessa, se basearia apenas na história da personagem que lhe dava o título: “Ana Terra”.
Contexto Histórico e Lançamento
A minissérie foi lançada em 1985, em um período de transição política no Brasil, logo após o fim da ditadura militar e durante o início da redemocratização. Este momento foi marcado por uma efervescência cultural e pelo ressurgimento de obras que refletiam sobre a identidade nacional e os grandes temas da história brasileira. “O Tempo e o Vento” se destaca nesse cenário como uma obra que revisita o passado para compreender o presente, utilizando a saga de uma família para explorar questões universais de poder, honra, amor e ódio.
Do ponto de vista histórico, a história mostra o processo de gestação do pensamento republicano, que quatro décadas depois se consolidaria na proclamação da República, ainda que de forma geral sem a participação popular. Esta abordagem é importante para o ano de lançamento da minissérie, pois 1985 marcava o retorno democracia à república, que deveria ter sido coroada com a posse do presidente Tancredo Neves.
A minissérie “O Tempo e o Vento” foi ao ar no dia 22 de abril de 1985, um dia após a morte do presidente. O diretor Paulo José fez uma homenagem a Tancredo Neves, ressaltando a importância do fim dos conflitos que deram início á República em 1889 em paralelo com o fim da ditadura que agora inaugurava a Nova República.
Na década de 1980, outras produções televisivas e cinematográficas que abordavam o passado brasileiro também fizeram adaptações literárias com uma releitura sobre a formação política e social do Brasil. Obras como “A Escrava Isaura” (1976) e “Sinhá Moça” (1986), ambas produzidas pela TV Globo, e o filme “O Cangaceiro” (1985), de Anselmo Duarte, evidenciam o interesse em revisitar e recontar a história nacional refletindo questionamentos próprios dos anos em que foram produzidos, tais como o trabalho escravo, o racismo e a importância do papel da imprensa na formação do pensamento político.
Os Livros de Érico Veríssimo
A trilogia “O Tempo e o Vento” de Erico Verissimo é uma das tramas mais complexas e profundas da literatura nacional, com personagens marcantes e experimentações narrativas que enriquecem muito a obra. Mas além de seu valor como literatura, Veríssimo também serve como referência quando se trata de fonte histórica para conhecer a história do Rio Grande do Sul e da formação do Brasil contemporâneo.
Trilogia “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, teria duas adaptações para a TV e duas para o cinema, focadas principalmente nos fatos narrados no primeiro livro.
A obra se divide em três volumes, cada um com um foco diferente: “O Continente” foca na fundação e na colonização da região; “O Retrato” explora o período de formação do estado republicano; e “O Arquipélago” trata das tensões políticas e sociais que emergem nos séculos XIX e XX.
O título “O Tempo e o Vento” é profundamente simbólico, representando a passagem inexorável do tempo e os ventos da mudança que varrem a vida das personagens e transformam o cenário histórico e social em que estão inseridos. O tempo, por um lado, é implacável e inevitável, moldando os destinos dos indivíduos e das nações; o vento, por outro, simboliza as forças externas e imprevisíveis que afetam a trajetória dessas vidas, sejam elas de natureza política, econômica ou social.
Produção e Locação
A minissérie “O Tempo e o Vento” de 1985 foi gravada em locações autênticas no Rio Grande do Sul, o que contribuiu significativamente para a veracidade e o realismo da obra. As filmagens ocorreram em cidades históricas como Bagé, Pelotas e São Gabriel, locais que ainda preservavam muitas das características arquitetônicas e paisagísticas do período retratado. Mas também foi construída uma cidade cenográfica de 40 mil m2, imitando o estilo arquitetônico das cidades gaúchas do século XIX, tudo para dar maior veracidade à narrativa.
Tanto as cenas gravadas em locais reais quanto as de estúdio mostravam a ambição que a TV Globo possuía de ao realizar essa minissérie, a maior já feita até então. Isso diferenciava essa produção de sua antecessora, produzida em 1967 pela extinta TV Excelsior, que foi gravada em estúdios e cenários artificiais, limitando, de certa forma, a imersão do público no universo da trama.
Principais Diferenças entre a Minissérie de 1985 e a Novela de 1967
A principal diferença entre a minissérie “O Tempo e o Vento” de 1985 e a novela de 1967 reside no formato e na abordagem narrativa. Enquanto a novela, dirigida por Dionísio Azevedo, teve 210 capítulos e uma abordagem mais livre da obra original, a minissérie, dirigida por Paulo José, Walter Campos e Denise Saraceni, foi dividida em 26 episódios, mantendo uma fidelidade maior ao texto de Verissimo.
A minissérie se preocupou em manter a estrutura épica da trilogia, explorando com profundidade os eventos históricos e os conflitos pessoais das personagens. A novela, por sua vez, teve uma abordagem mais dramatúrgica, com ênfase nos aspectos emocionais e nos relacionamentos interpessoais, características comuns às produções televisivas da época.
A Revolução Farroupilha na Minissérie
A Revolução Farroupilha é retratada em “O Tempo e o Vento” com um olhar crítico e ao mesmo tempo épico. A minissérie mostra como a luta pela independência do Rio Grande do Sul foi, em grande parte, um conflito de elites, mas que também teve consequências profundas para a população em geral.
A figura de personagens como o Capitão Rodrigo, que encarna o espírito de liberdade e de rebeldia, contrasta com as realidades duras da guerra e das divisões internas. Diferente de outras produções mais recentes, como “A Casa das Sete Mulheres“, a abordagem da Revolução Farroupilha em “O Tempo e o Vento” vai além da mera exaltação do heroísmo de seus principais comandantes, trazendo à tona as contradições e os dilemas morais enfrentados pelos habitantes dos pampas diante da movimentação das tropas, dos conflitos e das consequências que a guerra traz consigo.
Considerações Finais
A minissérie “O Tempo e o Vento” foi muito bem recebida pelo público, tanto em seu ano de lançamento como nas represes realizadas posteriormente. Alguns atores, como Tarcísio Meira e Glória Pires, ficaram marcados por anos por seus personagens, o Capitão Rodrigo e Ana Terra. Também foi elogiada pela crítica por sua fidelidade à obra original, que tinha se perdido um pouco no formato de telenovela na adaptação de 1967. O empenho em produzir algo grandioso pode ser considerado um marco na televisão, consolidando de vez a TV Globo como uma das maiores emissoras de TV do país.
Também é válido destacar que esta minissérie abriu as portas para que a emissora investisse em outras produções que objetivavam recontar a história do Brasil através de adaptações literárias, como “Tenda dos Milagres“, de Jorge Amado e “Grande Sertão: Veredas“, de Graciliano Ramos, ambas produzidas no mesmo ano de 1985. Através dessas releituras a TV Globo consolidaria um formato de narrativa que seria bastante utilizado nos anos seguintes.
Este formato, a minissérie, serviria para explorar técnicas de filmagem com mais qualidade técnica e investimento, não se limitando ao formato excessivamente alongado de telenovela, e assim produzindo entretenimento de alta qualidade.
Serviria também para que a TV Globo se tornasse aos poucos a narradora oficial de fatos históricos, assim como já vinha fazendo em relação ao telejornalismo. Os fatos narrados pela TV Globo, transmitidos em TV aberta para todo o país, se tornavam a principal versão conhecida dos fatos atuais e históricos por grande parte da população, colocando a emissora do empresário Roberto Marinho num lugar privilegiado de criação de cultura de massa e formação de opinião.