Da obra de Ariano Suassuna, “A Pedra do Reino” traz a história de Quaderna, um sertanejo que se autoproclama rei e busca restaurar o Reino Encantado do Sertão
Ficha Técnica
“A Pedra do Reino”
Título: A Pedra do Reino
Direção: Luiz Fernando Carvalho
Roteiro: Luiz Fernando Carvalho e Luis Alberto de Abreu, baseado na obra de Ariano Suassuna
Quantidade de Capítulos: 5 capítulos
Elenco Principal:
Irandhir Santos como Quaderna
Letícia Sabatella como Ana
Bruna Caram como Marizete
Cacá Carvalho como Dom Pedro Sebastião
Marcelo Serrado como Dom Pedro Dinis Quaderna
Leonardo Vieira como Silveira
Sílvio Restiffe como João Ferreira
Flávio Rocha como Pedro Pedro
Prêmios Recebidos:
Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (2008)
Melhor Minissérie ou Telefilme
Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) (2007)
Melhor Minissérie
Festival de Televisão de Monte Carlo (2007)
Indicação na categoria de Melhor Minissérie
Resumo
“A Pedra do Reino” é uma minissérie baseada na obra de Ariano Suassuna que segue a história de Quaderna, um sertanejo que se autoproclama rei e busca restaurar o Reino Encantado do Sertão. A narrativa mescla elementos históricos, mitológicos e do folclore nordestino, criando um rico mosaico cultural e visual. Dirigida por Luiz Fernando Carvalho e filmada no sertão da Paraíba, a minissérie é celebrada por sua fidelidade à obra original e inovação estética.
Análise de A Pedra do Reino (2007)
Seitas, Sacrifícios Humanos e Ressignificação Cultural
“A Pedra do Reino” é uma minissérie brasileira produzida e exibida pela Rede Globo em 2007. Adaptada da obra literária “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” de Ariano Suassuna, a produção é uma homenagem ao universo mágico do sertão nordestino, uma narrativa que mescla história, fantasia e folclore.
Contexto Histórico da Produção
A minissérie foi ao ar em um momento de renovação na teledramaturgia brasileira, onde a Rede Globo buscava explorar novos formatos e histórias que fossem além dos tradicionais dramas urbanos. Em 2007, a emissora já era sinônimo de qualidade em produção de minisséries, e “A Pedra do Reino” representou uma aposta em um conteúdo culturalmente rico e visualmente inovador.
Dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a mesma mente criativa por trás de “Hoje é Dia de Maria”, a minissérie foi gravada em Taperoá, no sertão da Paraíba, terra natal de Suassuna, homenageado aqui por sua obra inigualável e por seus 90 anos de idade. A escolha do local não foi apenas uma questão de autenticidade, mas também uma homenagem ao escritor e ao cenário que inspirou sua obra.
Enredo e Estrutura Narrativa
“A Pedra do Reino” segue a jornada de Quaderna (Irandhir Santos), um sertanejo visionário que se autoproclama rei e embarca em uma missão para restaurar o Reino Encantado do Sertão. A narrativa é um mosaico de eventos históricos, mitos populares e visões oníricas, refletindo o estilo barroco de Suassuna, que combina o real e o imaginário de forma única.
Quaderna é uma figura complexa, um anti-herói que mistura características de Dom Quixote e de messias sertanejo. Ele se vê como um predestinado a liderar uma revolução cultural e espiritual no sertão, e sua jornada é repleta de simbolismos religiosos, referências literárias e críticas sociais.
Representação do Período Histórico
A trama de “A Pedra do Reino” é ambientada no sertão nordestino durante o final do século XIX e início do século XX, um período marcado por profundas transformações sociais e políticas no Brasil. Este era um tempo de mudanças, com a abolição da escravatura em 1888 e a proclamação da República em 1889, que trouxeram novos desafios e dinâmicas para a sociedade sertaneja.
A minissérie retrata esse contexto através de uma visão poética e crítica, destacando as dificuldades enfrentadas pelos sertanejos, como a seca, a pobreza e a exploração por parte dos coronéis. Ao mesmo tempo, celebra a riqueza cultural do sertão, sua música, suas danças e suas lendas.
Contexto Histórico e Social
A Pedra do Reino, localizada no município de São José do Belmonte, no sertão de Pernambuco, é um local que carrega uma história rica e cheia de misticismo. O lugar ganhou lugar nas manchetes devido a acontecimentos trágicos no século XIX, tragédia que seria ressignificada na literatura pela obra de Ariano Suassuna, “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”.
O Reino Encantado
O Brasil do século XIX era um país marcado por profundas desigualdades sociais, políticas e econômicas. No Nordeste, especialmente, a pobreza extrema e a seca contribuíam para um cenário de desespero e misticismo religioso. Isso favoreceu o surgimento de movimentos messiânicos como uma forma de resistência e de sobrevivência, e também por busca de salvação desta vida sofrida. A Pedra do Reino está intimamente ligada a um desses movimentos.
No início do século XIX, um líder messiânico chamado João Antônio dos Santos liderou um movimento religioso que aguardava a volta messiânica do rei Sebastião de Portugal, desaparecido durante uma batalha a mais de duzentos anos no norte da África. O movimento ganhou proporções suficientes para chamar atenção das autoridades locais, e João foi convencido a interromper suas pregações.
Assim que saiu de cena, contudo, seu cunhado, João Ferreira, assumiu o comando da seita, e proclamou-se Rei do Reino Encantado da Pedra do Reino. João Ferreira alegava ser um enviado de Deus e prometia a criação de um paraíso terrestre no sertão pernambucano. Ferreira, inspirado por uma visão mística, acreditava que a Pedra do Reino era um portal para esse novo mundo.
Seus seguidores, movidos pela fé e pela promessa de uma vida melhor, se juntaram a ele. A Pedra do Reino tornou-se um local de peregrinação, onde os fiéis acreditavam que encontrariam redenção e prosperidade. Ferreira pregava uma mistura de catolicismo, lendas locais e elementos de outras religiões, criando um sincretismo religioso que ressoava profundamente com as esperanças e medos da população sertaneja.
Os Sacrifícios e Mortes
No auge do movimento, em 1838, ocorreram eventos trágicos que mancharam para sempre a história da Pedra do Reino. Ferreira, em um acesso de fervor religioso ou de loucura, convenceu seus seguidores de que a salvação só seria possível através de um grande sacrifício.
Assim, em um ritual macabro, dezenas de pessoas foram mortas em um massacre ritualístico. É importante notar que estas reuniões místicas eram acompanhadas do consumo de uma erva com efeitos alucinógenos, não sendo difícil convencer as pessoas a fazerem sacrifícios, e até a entregar suas próprias vidas. Entre os mortos contaram-se homens, mulheres e crianças, todos levados a acreditar que ressuscitariam junto o Rei D. Sebastião cheios de riquezas, jovens ou com saúde restaurada.
João Ferreira acabou vítima de sua própria criação, quando um dos seguidores afirmou ter sonhado que D. Sebastião só retornaria quando o próprio João Ferreira fosse sacrificado. Entusiasmados com a notícia, os fiéis não hesitaram e sacrificaram seu líder. Com isso acabava uma das histórias mais macabras do sertão nordestino.
Legado na Literatura e na Cultura Popular
A Pedra do Reino, antes denominada Pedra Bonita, passou quase um século sob a marca dessa tragédia, até que o escritor Ariano Suassuna decidiu dar novo significado para ela, ou retomar antigos significados que ela possuía antes da tragédia. Em “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, Suassuna recria a história do movimento messiânico com uma linguagem rica e poética, misturando realidade e fantasia.
O romance narra a história de Dom Pedro Dinis Quaderna, um personagem que busca a redenção de seu povo através da restauração do Reino Encantado. Suassuna, com seu estilo único, utiliza a história da Pedra do Reino para explorar temas universais como a fé, a loucura, o poder e a redenção.
Hoje, a Pedra do Reino é um local de interesse histórico e turístico. Anualmente, é realizada a Cavalgada à Pedra do Reino, evento que atrai visitantes de várias partes do Brasil. A cavalgada, que mistura elementos religiosos e folclóricos, é uma celebração da cultura nordestina e uma forma de manter viva a memória dos acontecimentos do século XIX.
Reflexões Finais
A história da Pedra do Reino é um exemplo poderoso de como os seres humanos são capazes de transformar dor e desespero em fé e esperança. Os acontecimentos trágicos de 1838 são um lembrete das consequências extremas do fanatismo religioso, mas também são uma parte fundamental da rica tapeçaria cultural do Brasil.
A Pedra do Reino é um símbolo das complexas interações entre história, religião, cultura e identidade. Os eventos trágicos que ocorreram lá nos convidam a refletir sobre as forças que moldam nossas crenças e ações, e sobre a importância de lembrar e aprender com o passado.
A literatura de Ariano Suassuna e a continuidade das tradições culturais na região garantem que a história da Pedra do Reino continue viva, oferecendo lições valiosas para as gerações futuras. Para além disso, resgata fatos históricos e a beleza que o local sempre teve, e que tinha ficado manchada pelos acontecimentos trágicos.
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