Avançar para o conteúdo

Você sabia que ler muda “literalmente” o seu cérebro?

A neurocientista Maryanne Wolf realizou pesquisas que indicam que ler não é algo natural para os seres humanos. No entanto, a alfabetização é uma das maiores invenções da humanidade, capaz de transformar nossas mentes. “Ler literalmente muda o cérebro”, afirmou Wolf.

Embora estejamos lendo mais palavras do que nunca, com uma média de cerca de 100 mil por dia, a forma como lemos tem mudado drasticamente. A proliferação das mídias digitais e o avanço da tecnologia alteraram profundamente a forma como consumimos informações.

Muitas vezes, lemos pequenas pílulas de palavras nas telas de celulares e computadores e acabamos lendo “por alto”, sem nos aprofundarmos em um conteúdo específico. Essa mudança de hábito tem preocupado cientistas, já que a leitura digital muitas vezes não requer habilidades de raciocínio abstrato para a consolidação de novas informações em conhecimento.

Ao contrário da linguagem oral, da visão e da cognição, não existe uma programação genética nos seres humanos para aprender a ler. A aquisição de um código simbólico completo, visual e verbal é necessária para que possamos ler efetivamente. Essa é uma invenção relativamente recente, que surgiu há cerca de seis mil anos, com o objetivo inicial de marcar quantidades de taças de vinho ou ovelhas.

Com o surgimento dos sistemas alfabéticos, a leitura se tornou um meio eficiente de armazenar e compartilhar conhecimento. No entanto, mesmo após tantos avanços, a leitura ainda requer habilidades cognitivas complexas que precisam ser aprimoradas e desenvolvidas, e a mudança para a leitura digital tem exigido uma adaptação significativa.

A neurocientista Maryanne Wolf enfatiza que a leitura é uma habilidade adquirida que tem o poder de transformar o cérebro humano. Através da leitura, novas conexões são estabelecidas entre regiões visuais, linguísticas, cognitivas e emocionais, e cada novo leitor precisa criar um novo circuito em seu cérebro para aprender a ler.

A leitura também tem efeitos benéficos na vida das pessoas, como o aumento da probabilidade de sucesso financeiro na vida adulta, a redução das chances de acabar na prisão, votar e ter casa própria. Além disso, a leitura pode ser usada como uma forma de terapia, com efeitos físicos como diminuição do batimento cardíaco, acalmar e reduzir a ansiedade.

Desde a Grécia Antiga, a leitura é reconhecida como uma prática que pode curar a alma, e avisos afixados nas portas das bibliotecas alertavam os leitores sobre isso. No século 19, psiquiatras e enfermeiras já prescreviam livros para seus pacientes, incluindo textos em línguas antigas e literatura de viagem, além da Bíblia.

Estudos recentes, dos séculos 20 e 21, têm comprovado que a leitura pode aguçar o pensamento analítico e nos ajudar a discernir padrões, uma habilidade importante para lidar com comportamentos complexos dos outros e de nós mesmos. Além disso, a leitura de ficção pode transformar os leitores em pessoas mais empáticas e socialmente habilidosas, enquanto os romances podem informar e motivar, os contos confortar e ajudar a refletir, e a leitura de poesia pode estimular partes do cérebro relacionadas à memória.

Porém, muitos desses benefícios dependem de um estado conhecido como “leitura profunda”. Maryanne Wolf explica que quando lemos superficialmente, apenas obtemos informações, mas quando lemos profundamente, utilizamos muito mais do nosso córtex cerebral. A leitura profunda nos permite fazer analogias e inferências, o que nos torna verdadeiramente críticos, analíticos e empáticos.

A especialista em neurobiologia da leitura, Maryanne Wolf, explora em seu livro Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain, como a transição da decodificação para a leitura fluente altera a maneira como os sinais percorrem o cérebro. Em vez de seguir um caminho dorsal, a leitura começa a se deslocar por um caminho ventral, mais rápido e eficiente. Esse processo permite que os leitores fluentes integrem melhor seus sentimentos e pensamentos às suas próprias experiências, resultando em pensamentos mais profundos.

De fato, a leitura não só muda a forma como nosso cérebro processa informações, mas também tem o poder de moldar nossas emoções, comportamentos e perspectivas. Por exemplo, a leitura de ficção pode melhorar a empatia e a compreensão social, enquanto a leitura de livros de autoajuda pode levar a uma mudança de comportamento e atitude. A leitura de biografias pode inspirar e motivar, enquanto a leitura de poesia pode acalmar e estimular a imaginação. Em suma, a leitura pode ser uma ferramenta poderosa para moldar nossas mentes e moldar nossas vidas.

LEITURA DIGITAL

Alguns acreditam que as novas plataformas representam uma evolução na maneira como as histórias são contadas, outros alertam para possíveis efeitos negativos no cérebro dos leitores.

A leitura digital trouxe muitas mudanças para a maneira como lemos. Ela tem benefícios, como a possibilidade de carregar muitos livros em um único dispositivo, a facilidade de acesso à informação e a oportunidade de explorar novos gêneros e autores. No entanto, a leitura digital também apresenta alguns desafios e preocupações, como:

Benefícios:

  • Acesso instantâneo a uma ampla variedade de conteúdos em dispositivos eletrônicos, sem a necessidade de espaço físico para armazenamento de livros.
  • Facilidade de encontrar e comprar livros online.
  • Ajuste de fonte, tamanho, cor e brilho para melhorar a legibilidade e acessibilidade para diferentes pessoas.
  • Possibilidade de interação com outros leitores online, compartilhando opiniões e experiências de leitura.

Malefícios:

  • A distração digital pode interromper o processo de leitura, reduzindo a concentração e a capacidade de absorver informações.
  • A exposição prolongada a dispositivos eletrônicos pode prejudicar a visão e causar outros problemas de saúde.
  • A leitura digital pode comprometer a capacidade de compreender textos complexos, pois os leitores tendem a ler de forma superficial e a pular partes importantes do conteúdo.
  • A falta de contato físico com o livro pode diminuir a sensação de imersão na história e a capacidade de lembrar informações.

De acordo com pesquisas conduzidas por Anne Mangen e sua equipe, a leitura digital pode levar a uma compreensão de leitura pior do que a leitura em papel, especialmente quando se trata de textos mais longos ou complexos.

Além disso, o volume de informações disponíveis nas plataformas digitais pode levar a uma leitura mais superficial e fragmentada, prejudicando a capacidade do cérebro de entender conteúdos mais complexos e de se envolver com a imaginação.

Outros autores, contudo, como Chris Meade, Natalie A. Carter, Melissa Cummings-Quarry, defendem que as novas mídias permitem que mais pessoas compartilhem histórias e experiências, abrindo espaço para novas vozes e novos tipos de narrativas, como a narrativa transmídia.

O futuro dos livros e da leitura é incerto, mas algumas tendências apontam para coleções de contos mais curtas, capítulos mais breves e histórias mais visuais e interativas, adaptadas às necessidades e preferências de um público cada vez mais digital.

Fonte: BBC

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