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Entenda semelhanças e diferenças entre golpe de 64 e tentativa do 8 de Janeiro

A 61 anos o Brasil teve seu governo legitimamente eleito deposto por um golpe militar. Em 8 e Janeiro de 2023 um ataque aos prédios do governo em Brasília reacendia o medo de um novo golpe. Em que os dois fatos são diferentes ou guardam semelhanças?

Tempo de Leitura: 8 min

As Diferenças entre o Golpe de 1964 e o 8 de Janeiro de 2023

A história do Brasil tem momentos marcantes em que grupos tentaram mudar o rumo do país à força, contrariando a vontade popular. Dois desses momentos foram o Golpe Militar de 1964 e os ataques de 8 de janeiro de 2023. Apesar de algumas semelhanças, há diferenças fundamentais entre os dois eventos.

O Papel dos Militares

Em ambos os casos, oficiais do Exército se insurgiram contra governos civis democraticamente eleitos. Em 1964, os militares tomaram o poder e instauraram uma ditadura que durou 21 anos. Já em 2023, setores militares demonstraram insatisfação com o resultado das eleições, mas não houve coesão suficiente para um golpe bem-sucedido. Além disso, o governo e as instituições reagiram rapidamente contra os golpistas.

O historiador Manuel Domingo Neto, professor aposentado da UFCE (Universidade Federal do Ceará), explica que tanto em 64 como na tentativa de golpe de 8 de janeiro os militares assumiram para si a tarefa (e o direito) de definir o destino da nação.

“Nós temos o espírito corporativo que diz que cumpre aos militares, em particular ao Exército, conduzir o destino do país. E essa sensação é a mesma em 1964 e 2022. Ela é persistente. O militar é criado nessa noção que ele recebe na sua formação”, diz Neto.

Já a professora de história Carla Teixeira, da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), ressalta a rejeição dos comandantes militares pelo resultado do pleito eleitoral. Segundo ela o golpe não se consolidou não por um respeito à constituinte e ao Estado de Direito, mas pela incapacidade dos militares envolvidos de planejar o que viria após o golpe.

“Em 1964, assim como em 2023, temos um arranjo de grupos de poder que tentam barrar a vontade popular. O atual comandante do Exército, o general Tomás Paiva, revelou que o resultado eleitoral não foi o que os militares gostariam. Ainda que nem todos os oficiais tenham aderido ao golpe, é fato que eles não aceitavam a figura do Lula”, explicou ela. “Dar o golpe é fácil, sustentar o governo depois é que é o problema. Os comandantes militares perceberam que não havia apoio na sociedade e no estrangeiro”.

8 de janeiro abril de 64

Apoio da Sociedade e do Setor Empresarial

O golpe de 1964 teve amplo apoio da burguesia nacional e estrangeira, incluindo empresários urbanos e do setor agrário. Muitos desses grupos viam no governo de João Goulart uma ameaça ao sistema econômico e social vigente, por conta de suas reformas populares. Em 2023, parte do agronegócio apoiou a tentativa de golpe, financiando protestos e acampamentos, mas a sociedade e o empresariado estavam divididos. Muitos setores rejeitaram a ideia de ruptura democrática, preferindo a estabilidade política.

Ato golpista de 8 de janeiro

Contexto Internacional

O cenário mundial também era muito diferente. Em 1964, o Brasil estava no auge da Guerra Fria, e os Estados Unidos apoiaram diretamente o golpe militar, temendo a influência do comunismo na América Latina. Já em 2023, o governo dos EUA se posicionou contra qualquer tentativa de ruptura democrática no Brasil. Sem apoio externo, os militares perceberam que sustentar um golpe seria inviável.

“Não houve coesão da burguesia nacional e estrangeira. Em 1964, toda a burguesia era a favor do golpe. A burguesia agrária, a urbana, as classes médias, os grupos dominantes, nacionais e estrangeiros, e tinha amplo apoio dos Estados Unidos”, avalia a historiadora Carla Teixeira. “Tinha um grupo ali da burguesia que votou no Bolsonaro, mas que não estava disposto a dar o golpe. O custo político seria muito grande.”

Construção do “Inimigo Interno”

Nos dois casos, os grupos que tentaram derrubar o governo usaram a ideia de um “inimigo interno” para justificar suas ações. Em 1964, esse inimigo era o comunismo. No discurso militar da época, qualquer proposta de mudança social era vista como uma ameaça comunista. Em 8 de janeiro de 2023, a retórica mudou, mas a estratégia foi parecida: os golpistas criaram a ideia de que o Brasil estava sendo dominado por uma suposta “ideologia de gênero”, “marxismo cultural” e outros conceitos usados para gerar medo e desconfiança.

A doutora em história Carla Teixeira, da UFMG, acrescenta que, assim como em 1964, o grupo militar que quis se perpetuar no poder construiu a ideia de inimigo interno a ser combatido. Mas na ausência de uma ameaça internacional, o inimigo construído para ser combatido era interno.

“Em 64, havia, no âmbito da sociedade, a ideia de uma ameaça comunista. E hoje a gente tem a ideia do marxismo cultural, da ideologia de gênero, do globalismo, os professores, os cientistas, os artistas, enfim, todos esses grupos que foram alçados para o lugar de inimigo pelo governo Bolsonaro”, explica Carla Teixeira.

Política Neo Liberal

O governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi marcado por uma forte adesão ao neoliberalismo, modelo econômico que busca reduzir a participação do Estado na economia e priorizar o mercado como regulador da sociedade. Essa abordagem foi conduzida principalmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e resultou em políticas que ampliaram a desigualdade social e fragilizaram serviços públicos essenciais.

Uma das principais ameaças do neoliberalismo durante esse período foi o desmonte de direitos trabalhistas e previdenciários. A reforma da Previdência, aprovada em 2019, dificultou o acesso à aposentadoria e reduziu benefícios para grande parte da população. Além disso, medidas como a informalização do trabalho e a flexibilização das leis trabalhistas aumentaram a precarização do emprego e enfraqueceram sindicatos.

Outro ponto preocupante foi o enfraquecimento dos serviços públicos. O governo Bolsonaro e seus aliados militares defendiam propostas como a privatização de estatais estratégicas, a cobrança de mensalidade em universidades públicas e até mesmo no Sistema Único de Saúde (SUS). Essas ideias foram sintetizadas no documento “Projeto de Nação: O Brasil em 2035”, elaborado pelo Instituto General Villas Bôas, que propunha um modelo de país baseado na privatização e na redução do papel do Estado.

As consequências dessa política foram sentidas pela população mais vulnerável, que passou a enfrentar maior dificuldade de acesso a direitos básicos como educação, saúde e segurança social. O aumento da fome e da pobreza, especialmente durante a pandemia de COVID-19, evidenciou como a adoção do neoliberalismo sem contrapesos sociais pode aprofundar desigualdades históricas.

A professora Carla Teixeira (UFMG), avaliando as diferenças e semelhanças entre o governo Bolsonaro e o de Castelo Branco após o golpe de 1964, entende que ambos guardam semelhanças em sua abordagem liberal.

“Durante o governo do Castelo Branco [1964-1967], foram instituídas várias medidas liberais que levaram a um aumento da desigualdade social, como o fim de direitos trabalhistas, a exemplo do direito à estabilidade no emprego”, avalia ela. “É um projeto que, basicamente, institui o neoliberalismo como política de Estado. Haveria a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, cobrança de mensalidade no SUS [Sistema Único de Saúde] e assim por diante. Isso revela muito essa adesão dos militares a um projeto neoliberal”.

Resistência da Sociedade

Outro ponto importante é que, em 1964, a democracia brasileira ainda era jovem, e a população tinha pouca experiência com eleições livres e direitos civis. Já em 2023, o Brasil tinha uma sociedade mais consciente sobre a importância da democracia. Os brasileiros sabem o que é viver em liberdade e reagiram contra a tentativa de golpe. Isso dificultou ainda mais o avanço dos golpistas.

O historiador Manuel Domingos Neto avalia que a consciência histórica da população brasileira acerca do golpe de 64 e dos anos de ditadura a tornam diferente em relação aos atos golpistas. Existe, hoje, uma maior rejeição a um governo militar, apesar de haver setores da sociedade que ainda o defendam. Essa rejeição ocorre tanto pela memória dos anos vividos, como por estudos e produções que auxiliaram na reflexão sobre este tempo, tais como as minisséries “Anos Rebeldes“, “Os Dias Eram assim” e o recém lançado “Ainda estou aqui“.

“Por mais fragilizada que seja a consciência democrática brasileira, ela existe e existe, inclusive, como fruto da resistência à última ditadura”, avalia Neto, e acrescenta: “Há essa resistência ampla da sociedade. Os brasileiros que não conhecem o que foi a ditadura, por outro lado, sabem o que é a liberdade. Eles estão nas cidades, não é como no passado, que o Brasil era essencialmente rural. Isso faz diferença. O banho de sangue teria que ser muito grande para eles conseguirem se manter no poder”.

Apesar de algumas semelhanças, o golpe de 1964 e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 aconteceram em contextos muito diferentes. Em 1964, os militares tinham apoio de grande parte da sociedade, dos empresários e dos Estados Unidos. Em 2023, a tentativa de golpe foi desorganizada e sem apoio suficiente para se sustentar. A reação rápida das instituições democráticas e da sociedade brasileira mostrou que, apesar das ameaças, a democracia no Brasil se fortaleceu ao longo dos anos.

Veja mais sobre atualidade e história.

Fonte: Agência Brasil

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Sobre o Autor

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Valdiomir Meira é licenciado em História e Letras, com pós-graduação em metodologia de ensino da língua portuguesa, metodologias inovadoras de educação e semiótica. Sua grande paixão é ler, viajar e ensinar. Leitor dedicado de quadrinhos e pesquisador nas áreas de educação e mitologia. Além de outras atuações profissionais, como criação de conteúdo para internet e tutoriais, também é redator e editor de artigos para blogs.

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