Série britânica ‘Adolescência’, da NETFLIX, imerge de forma perturbadora nos desafios da adolescência dentro da era digital.
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ADOLESCÊNCIA – NETFLIX usa Técnica moderna de filmagem a Favor da Imersão
A série britânica “Adolescência”, disponível na Netflix, já desponta como uma das produções mais impactantes do streaming em 2025. Com apenas quatro episódios de cerca de uma hora, a obra mistura elementos de drama policial e familiar para contar uma história tensa e envolvente.

O grande diferencial da série, no entanto, não está apenas na trama, mas na forma como ela é apresentada: todos os episódios são filmados em plano-sequência, ou seja, sem cortes, o que cria uma experiência intensa e imersiva para o espectador.
O primeiro episódio começa de forma abrupta e impactante, com a chegada da polícia à casa de Jamie Miller (interpretado pelo estreante Owen Cooper, de 15 anos). O jovem de 13 anos é acusado de matar uma colega de classe, e a abordagem da polícia logo nos primeiros minutos estabelece o tom sufocante da narrativa.
A câmera segue os agentes que arrombam a porta da casa e avançam rapidamente para o andar superior, onde Jamie se encontra. Enquanto os policiais sobem as escadas, os pais do garoto, visivelmente chocados e desorientados, tentam compreender o que está acontecendo, sem que a ação sofra qualquer interrupção.
O uso do plano-sequência torna essa cena inicial ainda mais angustiante, pois não há respiros, cortes ou mudanças de ângulo que aliviem a tensão. O espectador é conduzido como se estivesse presente na cena, testemunhando cada detalhe da abordagem policial e a reação desesperada da família. Esse efeito visual não apenas mantém a atenção do público, como também reforça a sensação de realismo e urgência dos acontecimentos.
Após a prisão de Jamie, a narrativa continua com a mesma intensidade quando ele é levado à delegacia. O local é apresentado como um labirinto de corredores estreitos e frios, por onde a câmera se desloca sem pausa, acompanhando cada passo do protagonista. Essa escolha de filmagem dá um caráter claustrofóbico à cena, intensificando a sensação de isolamento e desorientação do garoto.
Ao longo do interrogatório, o roteiro introduz elementos que reforçam a originalidade da abordagem da série. Em determinado momento, um dos personagens menciona que faz apenas 20 minutos desde a chegada da polícia à casa de Jamie – o que corresponde exatamente ao tempo decorrido do episódio até aquele instante. Essa estratégia narrativa não só reforça a proposta da série como também envolve ainda mais o espectador na construção temporal dos eventos.
A entrevista de Jamie com os policiais se desenrola de maneira tensa e emocionalmente carregada. O jovem, assustado e confuso, tenta compreender a gravidade da situação enquanto enfrenta perguntas incisivas dos investigadores.
A atuação de Owen Cooper se destaca nesse momento, transmitindo a vulnerabilidade e o desespero de um adolescente que se vê preso em uma situação avassaladora. Ao seu lado, Stephen Graham, no papel de um dos policiais, adiciona camadas de complexidade ao interrogatório, equilibrando autoridade e empatia na condução do caso.
A ausência de cortes não apenas intensifica a dramaticidade do episódio, como também exige um nível altíssimo de precisão dos atores e da equipe técnica. Cada movimento da câmera precisa ser cuidadosamente coreografado para garantir que tudo aconteça de maneira fluida e convincente. Esse método de filmagem coloca “Adolescência” em um patamar diferenciado dentro do universo das séries policiais e dramas familiares, proporcionando uma experiência cinematográfica única.

Outro aspecto notável do episódio é a forma como a passagem do tempo é percebida. O ritmo é, ao mesmo tempo, lento e acelerado: cada evento parece se desenrolar com uma intensidade sufocante, e ainda assim, a ação se desenvolve rapidamente, sem oferecer momentos de alívio ao espectador. Essa dicotomia faz com que a experiência seja ainda mais envolvente e angustiante, criando um impacto emocional que perdura mesmo após o término do episódio.
Além da narrativa visual inovadora, o primeiro capítulo de “Adolescência” também estabelece questionamentos profundos sobre a culpabilidade, a percepção da verdade e o impacto do sistema judicial na vida de um adolescente. Jamie é realmente culpado? Ou está sendo vítima de uma acusação precipitada? Essas questões são plantadas de forma sutil, deixando o público em suspense e ansioso pelos desdobramentos da trama nos episódios seguintes.
Temas Sensíveis
A série “Adolescência” (NETFLIX) tem despertado reflexões profundas ao abordar temas sensíveis da atualidade, tais como bullying, cyberbullying, machismo, movimento redpill e a influência perigosa das redes sociais na formação da identidade dos jovens.
O bullying e o cyberbullying são as questões centrais da trama. Jamie enfrenta constantes agressões na escola, tanto físicas quanto verbais e psicológicas, e estas se estendem ao ambiente digital. As redes sociais funcionam como um tribunal virtual onde os jovens são julgados sem direito à defesa, agravando o sentimento de isolamento e rejeição.
Outro aspecto relevante explorado na série é a influência do movimento redpill na mentalidade de jovens do sexo masculino. O redpill, um conceito que se originou em fóruns online, prega uma visão distorcida das relações de gênero, incentivando o desprezo pelas mulheres e disseminando discursos misóginos.
O que é o REDPILL?
Nos últimos anos, um fenômeno tem ganhado espaço nas discussões sobre machismo e masculinidade: o movimento redpill. Essa ideologia, que se espalha principalmente em fóruns online e redes sociais, tem influenciado a formação de jovens do sexo masculino, reforçando crenças misóginas e distorções sobre as relações de gênero. Mas o que exatamente significa redpill, como ele surgiu e qual é seu impacto global?
O termo “redpill” (ou “pílula vermelha”, em português) tem origem no filme Matrix (1999), onde o protagonista, Neo, recebe a opção de tomar uma pílula azul e continuar vivendo na ilusão ou tomar a pílula vermelha e enxergar a “verdade” oculta do mundo.
Nos fóruns masculinos da internet, essa ideia foi ressignificada, sugerindo que os homens precisam “despertar” para uma suposta realidade na qual as mulheres são manipuladoras e a sociedade estaria estruturada para favorecer o gênero feminino em detrimento do masculino.

O autor do best-seller O CÉREBRO DA CRIANÇA, Daniel J. Siegel, mostra aos pais, profissionais da educação e do comportamento como transformar um dos períodos de desenvolvimento mais difíceis da vida em uma experiência gratificante e transformadora.
A origem do movimento redpill pode ser rastreada até comunidades online voltadas para encontros e sedução, como o seduction community, que surgiu nos anos 2000.
Com o tempo, esse discurso evoluiu para algo mais radical, sendo abraçado por grupos que acreditam na “supremacia masculina” e propagam a ideia de que os homens devem se proteger das mulheres, encarando-as como ameaças a sua independência e felicidade.
O redpill se conecta a outras vertentes do chamado “manosphere” (esfera masculina), como os incels (celibatários involuntários) e os MGTOW (Men Going Their Own Way, ou Homens Seguindo Seu Próprio Caminho).
Atualmente, o redpill se espalha rapidamente pela internet, especialmente por meio de plataformas como YouTube, TikTok e fóruns como Reddit e 4chan.
Criadores de conteúdo, influenciadores e “gurus” da masculinidade promovem esse discurso para milhares de seguidores, ensinando que os homens devem evitar relacionamentos sérios, “dominar” as interações com mulheres e buscar sempre o poder e a superioridade.
Essa narrativa, muitas vezes, leva à desumanização das mulheres, retratando-as como interesseiras e manipuladoras, reforçando estereótipos nocivos.
A proporção que o redpill tomou nos dias de hoje é alarmante. Milhões de jovens entram em contato com esse tipo de conteúdo sem uma reflexão crítica, internalizando conceitos que reforçam a desigualdade de gênero.
Em vários países, educadores e especialistas já alertam sobre o impacto dessas ideias na juventude, que pode crescer com uma visão distorcida sobre os papéis de homens e mulheres na sociedade. Além disso, discursos redpill têm sido associados a comportamentos violentos, incluindo assédio e ataques misóginos, mostrando que não se trata apenas de opinião, mas de um problema social crescente.
Na adolescência, fase de formação da identidade e das primeiras experiências afetivas, o contato com a ideologia redpill pode ser especialmente prejudicial.
Jovens inseguros e em busca de pertencimento podem encontrar nesses discursos uma falsa segurança, acreditando que o problema de seus fracassos ou dificuldades sociais está nas mulheres, e não em fatores individuais ou estruturais. Isso pode levar ao isolamento, ao ressentimento e à adoção de comportamentos agressivos ou de domínio nas relações interpessoais.

Em Os meninos são a cura do machismo, Nana Queiroz propõe que uma educação feminista amorosa é a vacina contra nossa pandemia patriarcal.
Combatendo essa influência, movimentos feministas e grupos de educação sobre masculinidade saudável têm buscado criar contrapontos ao discurso redpill. Iniciativas voltadas para a educação emocional dos jovens, bem como a promoção de um diálogo aberto sobre gênero e relacionamentos, são fundamentais para evitar que mais adolescentes sejam capturados por essa narrativa.
A discussão sobre o redpill não pode ser ignorada. Ela reflete um problema social mais amplo sobre a formação da identidade masculina e o lugar das mulheres na sociedade. Se quisermos construir um futuro mais igualitário e justo, é essencial que pais, professores e líderes comunitários estejam atentos ao que os jovens estão consumindo na internet e promovam um ambiente de diálogo e respeito.
Jamie cresce em um ambiente onde esse tipo de ideologia está presente, influenciando sua forma de enxergar o mundo e suas interações com o sexo oposto. A série questiona como esses discursos podem levar jovens inseguros a adotar comportamentos agressivos e misóginos.
A relação familiar de Jamie também desempenha um papel crucial em sua jornada. Seu pai, Eddie Miller, interpretado por Stephen Graham, representa um modelo de masculinidade que muitas vezes se apoia na rigidez e na violência emocional. A falta de diálogo e a pressão para que o garoto se encaixe em padrões ultrapassados de comportamento masculino contribuem para seu sentimento de frustração e revolta.
O isolamento social é uma das consequências diretas da vivência de Jamie. A rejeição dos colegas e a ausência de suporte emocional fazem com que ele se refugie no mundo virtual, onde encontra conteúdos que reforçam suas dores e ressentimentos. A falta de pertencimento e a dificuldade de lidar com as emoções criam um terreno fértil para atitudes impulsivas e drásticas.
Um dos pontos altos da série é o episódio em que Jamie conversa com uma psicóloga. A cena, gravada em plano sequência, intensifica a imersão do espectador na mente do jovem, expondo suas angústias e dilemas. Esse momento evidencia a importância do acolhimento e do diálogo na prevenção de tragédias.

A abordagem da série também toca na questão dos códigos de emoticons, um fenômeno atual entre os adolescentes. Emojis e símbolos são utilizados como uma linguagem paralela, carregada de significados ocultos que podem reforçar sentimentos de exclusão ou fazer parte de estratégias de humilhação e perseguição.
“Adolescência”, da NETFLIX, se destaca, assim, não apenas por sua inegável qualidade técnica de filmagem e montagem de cena, mas pelo impacto social que provoca. A produção convida o público a refletir sobre o papel da educação, da família e da sociedade na formação dos jovens. O sucesso global da série comprova a relevância dessas discussões, incentivando um debate urgente sobre os desafios da juventude no mundo digital e contemporâneo.
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