Avançar para o conteúdo

COMÉDIA – A invenção de um Gênero

O que te faz rir? Será que é o mesmo que fazia seu bisavô rir? O riso revela muito sobre quem somos, nossos valores e preconceitos, e até como achamos algumas coisas ridículas. Descubra o que fazia as pessoas rirem no começo do cinema, e como gênios como Charlie Chaplin souberam transformar isso num dos gêneros mais populares do cinema – a comédia.

O que é uma comédia?

A comédia é um gênero artístico que tem como objetivo principal provocar risos e entretenimento por meio de situações humorísticas, diálogos engraçados e personagens caricatos. Ao longo da história, a comédia tem sido uma forma popular de expressão, presente no teatro, cinema, televisão e literatura.

Uma das características centrais da comédia é a sua capacidade de fazer as pessoas rirem. O riso é uma reação natural ao reconhecimento de algo engraçado ou absurdo. A comédia pode se basear em diversos elementos, como o uso de piadas, trocadilhos, ironia, sarcasmo, humor físico, exagero e inversão de expectativas.

Além disso, a comédia muitas vezes aborda temas cotidianos, retratando situações com as quais as pessoas podem se identificar. Pode explorar aspectos da vida social, política, cultural e familiar, buscando, de maneira lúdica, destacar os absurdos e contradições presentes em nossa sociedade.

Existem diferentes formas de comédia, cada uma com suas características distintas. Por exemplo, a comédia de situação, como séries de televisão, geralmente se baseia em personagens e situações recorrentes que geram humor. Já a comédia de erros explora equívocos e mal-entendidos para criar momentos engraçados. A comédia de humor negro usa elementos sombrios e tabus para provocar risadas, muitas vezes desafiando as convenções sociais.

comédia

OS PRIMÓRDIOS DA COMÉDIA NO CINEMA

No início da história do cinema, vários filmes de comédia foram produzidos, explorando as possibilidades do novo meio de expressão. Estes filmes exploravam maneiras diferentes de conseguir o riso dos eu público, variando da expressão física até a crítica social com exposição do ridículo das situações a que se via submetida a classe trabalhadora.

“L’Arroseur Arrosé” (1895)

Dirigido pelos irmãos Lumière, esse filme francês é considerado uma das primeiras comédias cinematográficas.

No filme o riso é conseguido por meio de uma situação cômica e um elemento surpresa. A comédia se desenrola quando um jardineiro está regando as plantas com uma mangueira de água. Um menino malicioso pisa na mangueira, bloqueando o fluxo de água e fazendo com que o jardineiro se incline para verificar o que está acontecendo. Nesse momento, o menino retira o pé da mangueira, causando um jato de água inesperado que atinge o rosto do jardineiro.

O humor nessa cena é criado por meio de uma série de eventos que surpreendem o jardineiro e o público. A quebra de expectativa, em que o jardineiro acredita que algo está errado com a mangueira, mas acaba sendo atingido pela água, é uma fonte clássica de humor físico. A reação exagerada do jardineiro ao ser encharcado de água também contribui para a comicidade da situação.

Além disso, o contraste entre a seriedade do trabalho do jardineiro e a brincadeira travessa do menino cria um senso de ironia e humor. O público se identifica com a situação, pois muitas vezes vivenciamos momentos em que somos pegos de surpresa ou nos deparamos com situações inesperadas.

“L’Arroseur Arrosé” é um exemplo clássico de comédia visual simples, mas eficaz. Apesar de sua simplicidade, esse filme pioneiro conseguiu gerar risos ao explorar a natureza humana e revelar o lado divertido das situações cotidianas.

“A Trip to the Moon” (1902)

Dirigido por Georges Méliès, este filme francês é uma mistura de ficção científica e comédia. Conta a história de uma expedição à Lua e apresenta cenas surreais e efeitos especiais inventivos para a época.

O riso, aqui, não parte de uma situação do cotidiano, já que trata-se de algo totalmente inusitado. No filme “A Trip to the Moon” (1902) o riso é obtido principalmente por meio da imaginação visual e da extravagância das cenas. O filme combina elementos de ficção científica, fantasia e comédia para criar uma narrativa divertida.

Uma das cenas mais icônicas do filme é quando a espaçonave atinge a superfície lunar e os astronautas exploram o ambiente. Nessa sequência, eles encontram criaturas lunares estranhas, como os Selenitas, que têm aparência bizarra e comportamentos incomuns. Esses encontros surreais e exagerados geram um senso de humor absurdo.

Além disso, o filme faz uso de efeitos especiais primitivos, como a famosa imagem da espaçonave atingindo o olho da Lua. Esses efeitos visuais rudimentares, mas criativos para a época, adicionam uma camada de comicidade ao filme.

Outra fonte de humor está nas interações e reações dos personagens. Os astronautas, interpretados por atores caricatos, demonstram surpresa, medo e confusão diante das situações inusitadas que encontram na Lua. Suas expressões faciais e movimentos exagerados contribuem para a comicidade das cenas.

“A Trip to the Moon” é um filme que busca encantar e divertir o público por meio de uma abordagem imaginativa e extravagante. Ao combinar elementos de fantasia, ficção científica e comédia, o diretor Georges Méliès criou um filme pioneiro que cativou o público da época e deixou um legado duradouro no cinema. O humor no filme é obtido pela mistura de elementos visuais surreais, situações absurdas e interpretações exageradas dos personagens.

“The Great Train Robbery” (1903)

Embora seja um filme principalmente de ação e drama, também possui elementos de comédia. Dirigido por Edwin S. Porter, é um dos primeiros filmes a contar uma história mais complexa e foi um marco importante na evolução do cinema.

Em “The Great Train Robbery” o riso não é necessariamente o objetivo principal, uma vez que o filme é predominantemente um drama de ação. No entanto, há momentos em que o humor é inserido para adicionar um toque leve à narrativa. O riso é conseguido principalmente por meio de situações cômicas e de um senso de ironia.

Uma cena em particular que pode provocar risos é quando um dos ladrões, interpretado por Justus D. Barnes, dispara a arma em direção à câmera. Isso cria um efeito de surpresa, uma vez que a cena rompe a “quarta parede”, envolvendo o espectador de uma forma inesperada. Esse tipo de quebra de expectativa pode gerar risos pelo elemento surpresa e pelo toque autodepreciativo.

Outra possível fonte de humor está nas ações e reações exageradas dos personagens durante os confrontos e perseguições. Expressões faciais e movimentos cômicos podem ser utilizados para adicionar um tom leve e divertido a certas cenas de ação.

Embora a comédia não seja o foco principal de “The Great Train Robbery”, é possível que alguns momentos do filme tenham sido concebidos com o objetivo de entreter e arrancar risos do público. Esses elementos humorísticos são usados ​​de forma pontual para aliviar a tensão do enredo principal, fornecendo um contraste leve em meio às sequências mais intensas.

“Kid Auto Races at Venice” (1914)

Este filme curto é o primeiro a apresentar o icônico personagem de Charlie Chaplin, conhecido como “O Vagabundo”. Esse personagem, com sua aparência característica, comédia física e compaixão pelos menos favorecidos, se tornou extremamente popular e um ícone do cinema mudo.

Neste filme, o Vagabundo é um personagem trapalhão que acaba atrapalhando a filmagem de uma corrida de automóveis. Chaplin, com seu talento natural para fazer rir, arranca risadas por meio das travessuras e das ações do personagem principal, interpretado por ele próprio.

A comédia no filme é construída através de várias situações engraçadas. Chaplin utiliza movimentos exagerados, expressões faciais caricatas e gestos desastrados para criar momentos hilariantes. Ele se envolve em acidentes, causa confusão e atrapalha o trabalho dos outros personagens, gerando risos por meio de seu comportamento travesso.

Esse curta-metragem de Chaplin marcou o início de uma das carreiras mais influentes e bem-sucedidas na história do cinema. Chaplin desenvolveu seu estilo único de comédia física, explorando temas como a luta contra a adversidade, a desigualdade social e as dificuldades da vida cotidiana. Seu trabalho revolucionou a comédia no cinema e influenciou inúmeros comediantes e cineastas ao longo dos anos.

“Kid Auto Races at Venice” serviu como uma introdução ao mundo do personagem “O Vagabundo” e permitiu que Chaplin demonstrasse seu talento cômico. Ele estabeleceu um padrão para o que viria a ser uma das figuras mais icônicas da história do cinema, contribuindo para a evolução do gênero da comédia e deixando um legado duradouro na indústria cinematográfica.

Repetição, Simplismo e Estereótipos – A parte sem graça da piada nos primeiros filmes de comédia

Uma das principais críticas em relação aos filmes cômicos dessa época está relacionada à sua simplicidade e previsibilidade. Muitos desses filmes eram baseados em piadas visuais, humor físico exagerado e situações cômicas que se repetiam em diferentes filmes. A falta de variedade e originalidade pode levar a uma sensação de repetição e falta de inovação, tornando-se um fator limitante para o desenvolvimento do gênero.

Além disso, é importante destacar que muitos desses filmes cômicos carregavam estereótipos e representações simplistas de personagens. Muitas vezes, os personagens eram retratados de forma exagerada, utilizando caricaturas étnicas ou estereótipos sociais para obter risadas. Embora essas representações possam ter sido aceitáveis ​​na época, hoje são vistas como problemáticas e ofensivas, perpetuando preconceitos e alimentando estigmas.

Outra crítica que pode ser levantada é a falta de profundidade e reflexão nas narrativas desses filmes. Muitas vezes, eles se limitavam a esquetes curtas, sem uma construção de história sólida ou uma mensagem mais profunda. Isso pode ser percebido como uma oportunidade perdida de explorar questões sociais, políticas ou culturais relevantes da época.

No entanto, é importante levar em consideração o contexto histórico e tecnológico desses filmes. Na primeira década do século XX, o cinema estava em seus estágios iniciais de desenvolvimento, e os cineastas estavam explorando as possibilidades desse novo meio de expressão. Limitações técnicas e de produção podem ter influenciado a qualidade e a complexidade desses filmes.

Essas ressalvas são necessárias para deixar claro que nem tudo que era engraçado pode ser considerado aceitável. A sociedade evoluiu e preconceitos históricos e sociais passaram a ser criticados, dando voz a quem sofria quieto com as piadas depreciativas das comédias. Com o tempo questões mais complexas passaram a ser abordadas, apresentando narrativas mais elaboradas e explorando uma variedade maior de estilos de humor. Estes filmes, contudo, foram importantes por abrir caminho para novas abordagens, e historicamente são ótimas fontes para entender o que pensavam as elites produtoras de cinema no início do século.

Veja mais artigos sobre cinema e história.

Compartilhe e Siga-nos nas Redes Sociais

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *