“Karatê Kid” (1984) – Karatê, High School, Jornada do Herói e uma trama que emociona até hoje.
Tempo de Leitura: 11 minutos
Ficha Técnica
“Karatê Kid” (1984)
Direção: John G. Avildsen
Duração: 126 minutos
Elenco Principal
Ralph Macchio (Daniel LaRusso), Pat Morita (Sr. Kesuke Miyagi), Elisabeth Shue (Ali Mills), William Zabka (Johnny Lawrence), Martin Kove (John Kreese)
Prêmios Recebidos
Pat Morita foi indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro como Melhor Ator Coadjuvante. Ganhou o prêmio Young Artist Award para Melhor Filme Familiar.
Disponível em: PRIME VÍDEO
Resumo
Clássico do cinema e dos filmes de Sessão da Tarde dos anos 80, o filme “Karatê Kid” (1984) narra a história do jovem Daniel LaRusso, interpretado por Ralph Macchio, que se muda de Nova Jersey para a Califórnia com sua mãe. Ao chegar em seu novo lar, Daniel enfrenta dificuldades de adaptação, especialmente ao ser alvo de bullying por um grupo de alunos praticantes de karatê da escola local, liderados por Johnny Lawrence, interpretado por William Zabka. A vida de Daniel muda quando ele conhece o Sr. Kesuke Miyagi, um sábio mestre de karatê interpretado por Pat Morita, que se torna seu mentor e o ensina não apenas a se defender, mas também importantes lições de vida.
Análise de “Karatê Kid” (1984)
“Karatê Kid” foi um dos filmes mais populares entre a garotada nos anos 80 e 90, e suas cenas de treinamento e de luta foram repetidas infinitas vezes em desenhos e séries. Quem nunca tentou aprender Karatê enquanto lavava o carro que atire o primeiro kimono. Sua trama, aparentemente simples, é realçada com atuações competentes dos veteranos Pat Morita (Sr. Kesuke Miyagi) e Martin Kove (Sensei John Kreese), os mestres dos antagonistas.
Pat Morita teve uma carreira diversificada antes de “Karatê Kid”. Ele começou na comédia stand-up e participou de vários programas de televisão, incluindo “Happy Days”, onde interpretou o personagem Arnold. Este passado como comediante não parecia indicar Morita para o papel de treinador, mas após os testes ficou claro que ele tinha o carisma necessário para o papel graças à química entre ele e Ralph Macchio (Daniel).
Martin Kove, por outro lado, tinha seu nome ligado a filmes e séries de ação, tais como “The Last House on the Left” (1972) e a série “Cagney & Lacey” (1982-1988), na qual fazia o detetive Victor Isbecki. Dessa forma, tanto o talento cômico de Morita quanto o intimidador de Kove seriam bem aproveitados pela produção de “Karatê Kid”, cada um a sua maneira.
Mas se os veteranos seguram a dramaticidade do filme, o elenco jovem também dá um show, mantendo o clima e a energia de high school que a trama precisa pra segurar a respiração do público até o último instante. É emocionante ver, e rever, a cena que Daniel dá o golpe final no seu rival, ao som de uma trilha sonora que faz a gente vibrar como se tudo fosse real. Esta trama aparentemente simples, contudo, esconde muitas outras camadas que hoje, quarenta anos depois, podem passar quase despercebidas, e valem a pena ser lembradas.
Orientais nos Estados Unidos
Conflitos Econômicos, Culturais e Políticos nas primeiras ondas migratórias
A imigração japonesa para os Estados Unidos começou no final do século XIX, com um fluxo maior a partir dos anos 1880. Os imigrantes japoneses, como muitos outros grupos étnicos, enfrentaram preconceito e discriminação com sua inserção na sociedade americana. A disputa pelo trabalho, particularmente durante a crise dos anos 1920 e 1930, era um dos motores desta discriminação, mas não a única.
Devido às diferenças culturais, os imigrantes orientais sentiam dificuldade em se inserir na sociedade americana, ficando muitas vezes alienados das tradições e festas religiosas típicas do ocidente. Essa discriminação aumentaria com a Lei de Exclusão Chinesa de 1882, que proibia a imigração de trabalhadores chineses e impedia os já residentes nos Estados Unidos de adquirir cidadania. Em 1922 a Suprema Corte decidiu que os japoneses não eram elegíveis para cidadania americana, reforçando sua condição de estrangeiros.
Campos de Confinamento na Segunda Guerra Mundial
Esta situação se agravou durante a Segunda Guerra Mundial, com a ameaça de um ataque japonês pela costa do Pacífico, que se concretizaria nos eventos de Pearl Harbor em 1941. Aquele clima de desconfiança em relação aos grupos de etnia oriental fez com que japoneses-americanos fossem colocados em campos de internamento devido a temores de espionagem e sabotagem. Após a guerra aquela desconfiança não seria esquecida, e a comunidade japonesa-americana continuaria a enfrentar desafios na luta por aceitação e igualdade.
Nos filmes “Karatê Kid”, o jovem Kesuke Miyagi teria chegado aos Estados Unidos um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, fugindo de um conflito em seu país de origem, e habitado nas ilhas do Havaí como trabalhador agrícola. Ali ele conheceria aquela que seria sua esposa. Os dois ficaram reclusos no campo de internação de Manzanar, onde mais de 12 mil nipo-americanos foram encarcerados.
Mas Miyagui não ficaria ali muito tempo, se juntando ao exército americano no 442º Regimento de Infantaria. Os Estados Unidos estavam em guerra direta com o Japão, mas curiosamente este regimento era composto quase totalmente por soldados descendentes de japoneses. Este regimento é conhecido por ter sido o mais condecorado da história militar dos EUA. Contudo as medalhas ganhas em batalha, em reconhecimento de seu valor, não seriam suficientes para apaziguar a dor do personagem, que recebeu no front a triste notícia do acidente que vitimou sua esposa e o bebê que esperava.
A Verdadeira Revolução Cultural
No cinema e em outras artes, o preconceito contra japoneses e outras etnias orientais era expressado na forma de caricaturas que os diminuíam, fazendo deles personagens engraçados e de pouca importância. A mudança viria com os filmes de artes marciais, que desempenharam um papel importante na mudança da percepção da sociedade americana em relação aos orientais.
Nos anos 70, estrelas como Bruce Lee ajudaram a popularizar as artes marciais através de filmes icônicos como “O Voo do Dragão” (1972) e “Operação Dragão” (1973). Outro sucesso foi “Enter the Ninja” (1981), que ajudou a introduzir o conceito dos ninjas na cultura popular. Na televisão, a série “Kung Fu” (1972-1975), estrelada por David Carradine, apresentava ao público ocidental os princípios e a filosofia das artes marciais chinesas, através das aventuras do monge Shaolin Kwai Chang Caine.
Nos quadrinhos, a Marvel criou dois personagens que aumentariam ainda mais este interesse. Aproveitando o sucesso dos filmes de Bruce Lee, os quadrinistas Steve Englehart e Jim Starlinem criariam em 1973 a série “Mestre do Kung Fu”, introduzindo o personagem Shang-Chi – um jovem mestre das artes marciais que combate o crime enquanto enfrenta dilemas de honra e disciplina. No ano seguinte estrearia “Punho de Ferro”, pelas mãos de Roy Thomas e Gil Kane, agora com um personagem ocidental, Danny Rand, que aprendia as artes secretas e adquiria poderes místicos na cidade escondida de K’un-Lun.
Toda essa produção cultural quebrou o estereótipo negativo dos orientais, mostrando eles como lutadores fortes, habilidosos e honrados, quase invencíveis. Essa imagem poderosa criou também um crescente interesse por suas habilidades e sua cultura. O interesse era particularmente grande entre os jovens, que desejavam aprender a lutar como seus heróis do cinema, da televisão e dos quadrinhos.
Com essa demanda em ascensão, foi um passo curto para os surgimento dos primeiros dojos, ou academias de karatê, kung fu e taekwondo, e logo elas estavam esparramadas por todo o país. No final dos anos 70 e início dos anos 80, surgiram também esportes de luta híbridos como o kickboxing, que combinava elementos de karatê e boxe, e o Jiu-Jitsu, que começava a ganhar reconhecimento internacional, contribuindo para a diversificação e crescimento das academias de luta nos EUA.
Bullying
Nos anos 80, o bullying era um tema recorrente em muitos filmes, refletindo as preocupações sociais da época. Contudo, a abordagem do bullying nesses filmes muitas vezes variava, oscilando entre retratos realistas e caricaturais. “Karatê Kid” (1984) destacou-se por seu tratamento mais sério e profundo do assunto, diferenciando-se de outras produções do período.
Em “Karatê Kid”, o bullying é personificado pelo personagem Johnny Lawrence e seus amigos do dojo Cobra Kai, que perseguem e intimidam Daniel LaRusso desde sua chegada à nova escola. Johnny, interpretado por William Zabka, não é apenas um valentão estereotipado; ele é um jovem que, sob a influência negativa de seu sensei, John Kreese, aprende a usar o karatê de maneira agressiva e opressiva. Este retrato do bullying não apenas mostra os atos de intimidação física e psicológica, mas também explora as motivações e a pressão social que alimentam esse comportamento.
O filme também aborda as consequências emocionais do bullying, mostrando o impacto profundo na vida de Daniel. Ele enfrenta medo, isolamento e baixa autoestima, sentimentos com os quais muitos espectadores podem se identificar. A transformação de Daniel, sob a orientação do Sr. Miyagi, demonstra uma mensagem poderosa de resiliência e superação. Ao aprender karatê, Daniel não só adquire habilidades de autodefesa, mas também ganha confiança e força interior, simbolizando a capacidade de qualquer pessoa superar o bullying com apoio e determinação.
Outros filmes dos anos 80 também abordaram o bullying, embora muitas vezes de maneira menos séria ou aprofundada. Em “De Volta para o Futuro” (1985), por exemplo, o bullying é retratado de forma mais leve e cômica, com Biff Tannen sendo o típico valentão da escola. Embora ainda explore os desafios enfrentados pelas vítimas, a resolução desses conflitos tende a ser mais imediata e menos complexa do que em “Karatê Kid”.
“Karatê Kid” se destaca por oferecer uma narrativa mais realista e esperançosa sobre como lidar com o bullying. Através do desenvolvimento do personagem de Daniel e sua relação com o Sr. Miyagi, o filme apresenta uma abordagem equilibrada, mostrando que a violência não é a resposta, mas sim a autodisciplina, a coragem e o apoio de mentores, da família e dos amigos. Esta é uma abordagem também típica de um movimento pacifista que ganhava força nos filmes de Hollywood, entre outros fruto das consequências do envolvimento americano na Guerra do Vietnã. Alguns anos antes, em “O Império Contra-Ataca”, o personagem Yoda também deixava claro que a guerra não era uma solução para os conflitos.
Um Filme Underdog
“Karatê Kid” é frequentemente descrito como um filme “underdog” porque narra a história de um jovem aparentemente fraco e sem chances, que, com a ajuda de seu mentor, supera obstáculos e derrota seus adversários. Este tema ressoa com muitos outros filmes da época, especialmente “Rocky” (1976). Ambos os filmes compartilham a ideia central de perseverança, treinamento árduo e superação das adversidades, cativando o público com histórias de triunfo pessoal. O diretor John G. Avildsen, que também dirigiu “Rocky”, sabia bem lidar com este tipo de trama, fazendo deste uma versão mais dinâmica que o seu sucesso anterior.
Considerações Finais
“Karatê Kid” foi um sucesso, rendeu três continuações (duas com Daniel LaRusso e uma com Hilary Swank interpretando a nova aprendiz Julie Pierce), um desenho animado e uma série de sucesso (Cobra Kai) na Netflix. Mais importante que isso, se tornou um fenômeno cultural, com infinitas referências em todo tipo de mídia. Sua história é uma típica jornada do herói, na qual o personagem principal é forçado a sair do seu lugar seguro pra enfrentar um grande desafio, é treinado por um mestre, e termina mais forte e seguro do que iniciou.
Mas dizer que este esquema é a única razão de “Karatê Kid” ser um sucesso seria menosprezar seus múltiplos acertos. Um deles foi trazer para uma trama típica de High School, com temas como bullying, namoro e amizade, o potencial dos filmes de luta e artes marciais, já bastante populares no início dos anos 1980. O outro foi aproveitar os atores nos lugares certos. Pat Morita, embora não soubesse lutar, era um mestre em carisma e atuação, que nos fazia esquecer que suas cenas eram basicamente jogos de luz e sombras. Martin Kove, com seu intimidador Sensei Kreese, evocava o que de pior o esporte pode produzir.
A escolha de Pat Morita para o papel, talvez o maior de todos os acertos do filme, exemplifica bem a trajetória dos grupos étnicos orientais nos Estados Unidos. Inicialmente um comediante, que sabia usar bem seus traços orientais para fazer rir, Pat Morita passou a ser respeitado como um grande ator após sua indicação ao Oscar por “Karatê Kid”. Ainda que não tenha ganho o prêmio, o ator deixou sua marca como um dos personagens mais lembrados e queridos da história do cinema.
Depois de assistir “Karatê Kid” provavelmente não sairemos com habilidades em karatê, mas é impossível assistir o filme sem aprender um pouco sobre superação, disciplina e amizade. Daniel e Myiagui compartilham uma relação que varia entre a paternidade e a amizade, muito mais que apenas um professor e seu discípulo, mostrando que mesmo o invencível mestre do karatê tinha seus traumas e fragilidades, e precisava de acolhimento. Essa dupla vertente, na qual um cuidava do outro, é o que torna este filme verdadeiramente forte, e continua a gerar novo interesse ao longo dos anos.
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