“Pós Poemas”, de Augusto de Campos, une poesia, crítica e visualidade em uma obra inovadora, reafirmando seu legado na literatura brasileira.
Tempo de Leitura: 8 min
“Pós Poemas” | Um mergulho no Verbo, na Voz e na Imagem
Augusto de Campos, um dos nomes mais icônicos da poesia concreta brasileira, retorna em “Pós Poemas” com uma obra que reafirma sua relevância e vitalidade. Transitando entre a criação poética, a transcriação e a crítica social, seu novo livro é um testemunho do compromisso estético e político que marca sua trajetória.
O universo “verbivocovisual” de Augusto de Campos nunca se restringiu a um mero jogo de formas; pelo contrário, ele se constitui como um espaço de ressonância crítica, onde palavra, som e imagem se entrelaçam para criar significados potentes e, por vezes, disruptivos. “Pós Poemas” dá continuidade a essa tradição, demonstrando como a poesia concreta se renova sem perder sua essência: a busca por uma expressão sintética e impactante, ao mesmo tempo lírica e engajada.
A fórmula renovada da poesia concreta em Pós Poemas
“Pós Poemas” se insere em um contexto mais amplo dentro da tetralogia composta por “Despoesia”, “Não” e “Outro”. Como nos livros anteriores, a edição é concebida como uma obra de arte em si mesma, explorando a materialidade do livro e o impacto visual das palavras. Impresso em papel couchê e colorido, cada página carrega um diálogo direto entre forma e conteúdo, fortalecendo a premissa de que a poesia concreta não se limita ao verbal, mas se expande para o visual e o sonoro.
Desde os tempos do movimento concretista, iniciado ao lado de Haroldo de Campos e Decio Pignatari nos anos 1950, Augusto de Campos se destacou pelo rigor e pela ousadia formal. “Pós Poemas” reafirma essa busca incessante por novas possibilidades expressivas, demonstrando que a experimentação estética é um campo ainda fecundo e aberto para inovação.
Quem é Augusto de Campos
Augusto de Campos é um dos mais influentes poetas, tradutores e críticos literários brasileiros do século XX. Hoje com 94 anos, o poeta nasceu em 14 de fevereiro de 1931, em São Paulo. Sua trajetória é marcada pela inovação, especialmente por sua contribuição ao movimento da poesia concreta, que revolucionou a literatura brasileira e internacional a partir da década de 1950.
A Formação e os Primeiros Passos na Literatura
Desde cedo, Augusto de Campos demonstrou interesse pela literatura e pelas vanguardas artísticas. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mas logo sua inclinação para a poesia experimental se sobrepôs a qualquer carreira jurídica. Influenciado por movimentos modernistas e pela poesia de vanguarda europeia, começou a explorar formas não convencionais de expressão poética.
Em 1951, ele publicou seu primeiro livro, O Rei Menos o Reino, que já apresentava sinais de sua inquietação com as formas tradicionais de poesia. No entanto, foi a fundação do movimento da poesia concreta, ao lado de seu irmão Haroldo de Campos e do poeta Décio Pignatari, que consolidou sua posição como uma das figuras centrais da poesia experimental no Brasil.
A Poesia Concreta e a Inovação Poética
A poesia concreta, surgida no Brasil na década de 1950, propunha uma ruptura com o verso tradicional e enfatizava a visualidade da palavra. Os poetas concretistas buscavam criar poemas que fossem também objetos visuais, explorando a disposição das palavras no espaço da página e usando técnicas inspiradas na publicidade, na tipografia e nas artes visuais. O grupo divulgou suas ideias por meio da revista Noigandres, lançada em 1952, que se tornou um marco da poesia experimental no Brasil.
Augusto de Campos foi um dos mais radicais na exploração dessas novas possibilidades. Seus poemas muitas vezes dispensam a linearidade tradicional da leitura, obrigando o leitor a percorrer a página de maneira inovadora. Exemplos célebres de sua poesia concreta incluem “LUXO”, “VIVA VAIA” e “SOS”, nos quais a forma gráfica desempenha um papel essencial na construção do significado.

Além da experimentação gráfica, sua obra também se destaca pelo diálogo com outras artes, como a música e o cinema. Ele frequentemente explorou interseções entre som, palavra e imagem, antecipando o que viria a ser chamado de poesia multimídia.
Tradução e Crítica Literária
Augusto de Campos também se destacou como tradutor e crítico literário. Sua paixão por poesia não se limitou à criação de versos próprios, mas se estendeu ao estudo e à tradução de grandes poetas estrangeiros. Traduziu obras de escritores como Ezra Pound, James Joyce, Mallarmé, John Donne e Vladimir Maiakovski, sempre buscando preservar não apenas o conteúdo, mas também a estrutura formal e sonora dos poemas originais.
Sua abordagem na tradução muitas vezes reflete sua própria inclinação experimental: em vez de buscar uma fidelidade estrita ao sentido original das palavras, ele trabalha com recriações poéticas que capturam o espírito do texto. Isso fez com que as traduções de Augusto de Campos fossem reconhecidas como obras literárias por si mesmas, ampliando o impacto desses autores no Brasil.
Como crítico, Augusto de Campos sempre esteve engajado na defesa das vanguardas. Em suas análises, valorizou autores que romperam com padrões estabelecidos, promovendo uma visão da literatura como campo de experimentação contínua. Ele também se posicionou contra o academicismo tradicional, o que muitas vezes lhe rendeu tanto admiradores quanto detratores.
Augusto de Campos e a Cultura Digital
Mesmo com o passar das décadas, Augusto de Campos continuou sendo um artista inovador. Ao contrário de muitos escritores de sua geração, ele abraçou as possibilidades da tecnologia digital para expandir sua poética. Seu trabalho incorporou recursos como animações gráficas e sons digitais, adaptando sua poesia ao universo multimídia da era digital.
Nos últimos anos, suas obras ganharam novas formas em plataformas online e exposições interativas. Isso permitiu que sua poesia alcançasse novos públicos, reforçando a ideia de que sua obra está em constante diálogo com os avanços tecnológicos e artísticos.
Ao longo de sua carreira, recebeu diversos prêmios e homenagens, incluindo o Prêmio Jabuti e o reconhecimento da crítica internacional. Sua obra continua sendo estudada em universidades e apreciada por leitores que buscam uma poesia que desafia convenções e propõe novas formas de interação com a linguagem.
Seu legado não se limita à poesia concreta, mas se estende a uma visão de literatura como arte viva, em constante transformação. Seu trabalho permanece atual, reafirmando a importância da experimentação e do rompimento com paradigmas rígidos.
O engajamento crítico e político de Augusto de Campos
Além da dimensão plástica e linguística, “Pós Poemas” também se impõe como um manifesto político. Augusto de Campos nunca fugiu de temas controversos ou da disputa na arena ideológica. Pelo contrário, sempre encontrou formas sofisticadas e esteticamente impecáveis de inserir sua voz crítica no debate social. O poeta entende que a palavra é também uma arma, e sua poesia reflete esse compromisso com a atualidade e com os desafios do presente.

A crítica social na obra de Augusto de Campos não é panfletária, mas sim um trabalho de sutil lapidação, onde a mensagem política emerge da precisão formal e da construção visual do poema. A sua poesia concreta, ao mesmo tempo em que explora a materialidade do signo, também denuncia opressões, desigualdades e contradições do mundo contemporâneo. Em “Pós Poemas”, essa vertente política se faz presente com a mesma intensidade que em suas obras anteriores, mas com um frescor que prova a atemporalidade de seu trabalho.
O legado e a continuidade de Augusto de Campos
A longevidade criativa de Augusto de Campos é, por si só, um fenômeno digno de nota. Poucos são os poetas que conseguem atravessar tantas décadas sem se tornarem reféns de fórmulas desgastadas ou de uma repetição autocongratulatória. Em “Pós Poemas”, encontramos um Augusto de Campos que não apenas se mantém fiel a suas premissas, mas também continua a expandi-las e desafiá-las.
A importância de Augusto de Campos para a poesia brasileira e mundial é inegável. Sua obra transcendeu os limites da literatura e dialogou com outras linguagens artísticas, como as artes plásticas e a música, colaborando com nomes como Caetano Veloso e Arnaldo Antunes. “Pós Poemas” se insere nesse percurso como uma obra que não só celebra a trajetória do autor, mas também reafirma seu lugar no presente e no futuro da literatura.
Se a poesia concreta revolucionou a forma como pensamos a palavra no Brasil, foi graças a poetas como Augusto de Campos. E “Pós Poemas” é a prova definitiva de que essa revolução ainda está em curso. Feliz da nação que pode contar com um criador dessa envergadura, sempre disposto a reinventar a própria linguagem.
Leia mais sobre livros e autores.