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RAPA NUI (1994) – A Ilha de Páscoa e o mistério dos Moais num filme audacioso de Kevin Costner

Com RAPA NUI, Kevin Costner resgatou a história de uma ilha misteriosa no meio do pacífico e apresentou ao mundo um de seus mais intrigantes mistérios

Tempo de Leitura: 14 minutos

“Rapa Nui” em poucas palavras …

O filme é ambientado na Ilha de Páscoa, no período de 1680, e conta a história de Noro, um jovem rapaz da classe baixa, e Make, um jovem da classe alta. Os dois disputam o prestígio de ser o Homem-Pássaro durante a competição anual de Tangata Manu. Nesta disputa os competidores buscam o primeiro ovo de um manu-tara (ave-marinha) e ganham o direito de serem considerados o homem pássaro por um ano.

Através desta competição somos apresentados à realidade existente na Ilha de Rapa Nui antes dos europeus chegarem. A partir do pouco que sabemos sobre os Moais e a cultura nativa, a história explora temas como luta de classes, rivalidade e tradições culturais da ilha, enquanto os protagonistas enfrentam desafios para conquistar o título desejado.

“Rapa Nui” é conhecido por sua abordagem visual impressionante, destacando a beleza natural da Ilha de Páscoa e suas estátuas de pedra únicas (os Moais). O filme busca proporcionar uma visão dramática e ficcional da cultura Rapa Nui, misturando elementos históricos e lendários.


Análise de “Rapa Nui” (1994)

Desvendando os mistérios da Ilha de Páscoa

A Ilha de Páscoa, ou “Rapa Nui” como é conhecida pelos seus habitantes, abriga um dos mistérios mais fascinantes da humanidade: os Moais. Essas estátuas gigantes, das quais sabemos muito pouco ainda, fascinam e geram diversas hipóteses por parte dos pesquisadores. Não há um consenso sobre sua origem, mas sua disposição em direção ao mar ajuda a explicar, entre outras coisas, o povoamento da América. Contudo, muito do que se sabe sobre sua origem está atrelado a lendas e mitos locais.

rapa nui moais

Se para a história isso é um empecilho, para o cinema era uma grande oportunidade. Aproveitando o sucesso de suas produções recentes, o ator e produtor Kevin Costner produziu o filme a partir de uma interpretação sobre a origem dos Moais e das crenças que tinham os habitantes da ilha. O filme foi lançado em 1994, trazendo o título “Rapa Nui” como forma de reforçar o nome como a ilha, localizada no meio do oceano pacífico, é conhecida por seus habitantes nativos.

Contexto Histórico do Lançamento e Produção

Nos anos 1990, Hollywood produziu vários filmes que exploravam civilizações antigas e mitologias diversas, como “Danças com Lobos” (1990) e “O Último dos Moicanos” (1992). Apesar do tema da colonização do oeste americano, e de outras partes do mundo, já terem sido amplamente abordados nos westerns de John Ford, os anos 80 trouxeram uma releitura para as clássicas histórias de cowboys, mostrando o ponto de vista dos povos conquistados em vez dos colonizadores.

Essa mudança de perspectiva foi bem recebida pelo público, rendendo a Kevin Costner o reconhecimento principalmente por “Dança com Lobos”, que ele dirigiu e atuou e que lhe rendeu 12 Oscars, inclusive o de melhor filme e diretor. Costner lançou-se então numa aventura muito maior, a de fazer um filme sobre os nativos de uma ilha remota e inacessível, mas que fascinava o imaginário ocidental: a Easter Island, Ilha de Páscoa em português, ou “Rapa Nui” como é denominada por seus habitantes.

A Trama de Rapa Nui

O Homem Pássaro

O filme “Rapa Nui” apresenta uma narrativa ficcional baseada em eventos históricos e mitológicos da Ilha de Páscoa. A história se passa em um período anterior à chegada dos europeus à ilha, e gira em torno de duas facções principais da sociedade Rapa Nui: os Long Ears (“Orejas Largas”), que representam a elite da ilha, e os Short Ears (“Orejas Cortas”), que são os trabalhadores, essencialmente os escravos dos Orelhas Longas.

Rapa Nui O Homem Passaro
O encontro dos holandeses com os habitantes de Rapa Nui com muitos detalhes instigantes

O filme começa com o desenvolvimento de uma intensa rivalidade entre dois personagens principais: Noro e Make. Ambos se destacam entre seus pares por suas habilidades e coragem, mas suas motivações e origens são bem diferentes. Noro é filho de um dos chefes dos Orelhas Longas e está destinado a perpetuar o poder de sua linhagem, enquanto Make, um Orelha Curta, é um trabalhador que busca mais do que a opressão e deseja mudar seu destino.

A tensão se agrava quando Noro e Make se apaixonam por Ramana, uma jovem bela e inteligente, mas, por ser Orelha Curta, o relacionamento entre ela e Noro é proibido pelos costumes da ilha. Esse amor proibido se torna um símbolo da insatisfação crescente com as divisões de classe e a opressão social que afetam a comunidade.

Quando o ritual do Homem Pássaro é anunciado, ambos os jovens guerreiros decidem participar, mas com intenções distintas. A prova envolve nadar até um ilhéu próximo, escalar penhascos e recuperar o primeiro ovo da temporada do pássaro sagrado, que deve ser trazido intacto de volta à ilha. Aquele que vencer ganhará um status elevado e poderá realizar seus desejos — para Noro, significa libertar Ramana e oficializar seu amor; para Make, é a oportunidade de acabar com o sistema opressor dos Orelhas Longas.

Desgaste Ambiental e Colapso

Ao longo do filme, a narrativa também aborda como a sociedade de Rapa Nui entrou em colapso. Na história, a obsessão dos Orelhas Longas pela construção dos moais leva ao desmatamento da ilha, o que acaba esgotando os recursos naturais. As árvores, essenciais para o transporte das imensas estátuas, são cortadas até a extinção, e o solo da ilha é progressivamente erodido. Isso cria uma situação crítica para os habitantes, que enfrentam uma crise alimentar e lutam para sobreviver em um ambiente que já não sustenta a vida como antes.

À medida que o ritual do Homem Pássaro se aproxima, a tensão entre os Orelhas Longas e os Orelhas Curtas só aumenta, e o tema de exploração dos recursos naturais e a degradação ambiental vai se entrelaçando com os conflitos sociais da ilha.

O Desfecho

Na competição do Homem Pássaro, Noro e Make enfrentam obstáculos perigosos para encontrar o ovo sagrado. Ambos chegam ao limite de suas forças, e suas motivações são testadas ao máximo. No final, Make consegue vencer, mas seu triunfo é amargo, pois a sociedade de Rapa Nui já está em colapso. Mesmo com o desejo de destronar os Orelhas Longas, ele percebe que a destruição ambiental e a divisão social foram longe demais, e que talvez seja tarde demais para salvar a ilha.

O desfecho do filme é um comentário poderoso sobre as consequências da divisão social e da exploração ambiental, sugerindo que a ganância e a desigualdade podem levar uma civilização à ruína. Em Rapa Nui, a história termina com a sociedade à beira da extinção, um reflexo das verdadeiras dificuldades que a civilização da Ilha de Páscoa enfrentou no passado.

Período Histórico Representado

O período histórico representado em “Rapa Nui” é complexo e baseado em uma combinação de lendas e teorias arqueológicas. A ilha foi colonizada por polinésios por volta do século V d.C., e a civilização que ali se desenvolveu é conhecida por suas realizações culturais e arquitetônicas, especialmente os moais. No entanto, por volta do século XVII, a sociedade Rapa Nui enfrentou um colapso significativo, atribuído a fatores como desmatamento, guerras tribais e superpopulação.

Verdade e Ficção em Rapa Nui

O filme Rapa Nui costuma ser criticado pela excessiva liberdade artística que os produtores tomaram para representar o povo da ilha e suas lendas, particularmente pela necessidade de acrescentar romance à trama. Embora essas críticas sejam válidas, muito do que é apresentado no filme se inspira em elementos reais da cultura, história e lendas da Ilha de Páscoa.

Costner e Reynolds mesclaram fatos históricos com interpretações artísticas, buscando retratar aspectos da sociedade que habitou a ilha antes do contato europeu. No entanto, muitos elementos do enredo são exagerados ou ficcionalizados para fins dramáticos. Vale a pena, assim, conferir o que é histórico e o que foi liberdade artística (e comercial) dos produtores.

Rapa Nui Moai

1. Divisão Social e Conflitos de Classe

  • O que é verdadeiro: A sociedade da Ilha de Páscoa era dividida em clãs e possuía uma hierarquia social, com chefes e linhagens nobres que detinham mais poder e prestígio. Essa organização é refletida no filme através das classes “Orelhas Longas” e “Orelhas Curtas”. Embora não existam provas de que esses termos tenham sido usados historicamente, alguns moais possuem de fato orelhas representação de orelhas longas com adornos e outras curtas mais simples, o que parece indicar que o tamanho da orelha acompanhava uma posição social mais importante. De acordo com algumas teorias antropológicas, havia competição entre estes grupos da ilha, que poderiam ter lutado por recursos e poder.
  • Ficção: O filme dramatiza a divisão social ao ponto de criar uma quase guerra de classes, com os Orelhas Curtas em uma posição de quase escravidão. Não há evidências concretas de que essa dinâmica fosse tão rígida ou que tivesse causado conflitos tão extremos como os mostrados no filme.
Rapa Nui Chile

2. Construção dos Moais

  • O que é verdadeiro: A Ilha de Páscoa é famosa por seus moais, as grandes estátuas de pedra. Esses moais foram de fato construídos e transportados por várias gerações de habitantes, e acredita-se que eles simbolizavam ancestrais e figuras de poder, carregando um valor espiritual e social importante para os habitantes da ilha.
  • Ficção: O filme sugere que a obsessão com a construção dos moais foi uma das causas do colapso da civilização, levando ao desmatamento e à degradação ambiental. Embora o desmatamento tenha ocorrido e tenha sido uma questão séria para os habitantes, a relação direta entre a construção dos moais e a crise ambiental da ilha é uma interpretação discutida. Outros fatores, como mudanças climáticas e pressões sobre os recursos, também podem ter influenciado o colapso.

3. Competição do Homem Pássaro (Tangata Manu)

  • O que é verdadeiro: A competição do Homem Pássaro realmente existiu e era um evento central na cultura Rapa Nui. Realizado em Orongo, no topo do vulcão Rano Kau, essa cerimônia ocorria anualmente e envolvia uma competição perigosa para obter o primeiro ovo da estação de um pássaro específico, o manu tara (andorinha-do-mar). O vencedor se tornava o Homem Pássaro, recebendo status espiritual e político durante o ano.
  • Ficção: No filme, o ritual do Homem Pássaro é colocado como uma competição entre classes rivais com significados mais amplos de poder e prestígio, mas historicamente, essa cerimônia não era uma luta de classes. Era uma tradição sagrada e ritualística mais voltada para a legitimidade espiritual do líder e não tinha uma função de revolução social.

4. Colapso Ambiental

  • O que é verdadeiro: Existem evidências arqueológicas de que a Ilha de Páscoa passou por um período de colapso ambiental, possivelmente causado pela exploração excessiva dos recursos naturais. O desmatamento da ilha afetou a capacidade de subsistência da população, tornando difícil construir canoas, o que impactou a pesca e a mobilidade.
  • Ficção: O filme sugere que o colapso ambiental foi impulsionado exclusivamente pela construção dos moais e pelas disputas de poder entre as classes. No entanto, a verdadeira história do colapso da ilha é mais complexa e provavelmente incluiu fatores variados, como mudanças climáticas, o impacto de espécies invasoras, como ratos, e pressões demográficas.

5. Elementos Culturais e Vestimentas

  • O que é verdadeiro: O filme tenta retratar os Rapa Nui com vestimentas, rituais e artefatos inspirados na cultura da ilha, e a equipe de produção se esforçou para incluir membros locais no elenco como figurantes, o que trouxe alguma autenticidade visual.
  • Ficção: Muitos dos figurinos e rituais foram adaptados ou criados para atender às necessidades cinematográficas. Não se sabe exatamente como eram as roupas ou os rituais diários dos antigos Rapa Nui, pois a cultura foi muito influenciada pela chegada dos europeus, que trouxeram transformações irreversíveis para a sociedade local.

Filmagens na Ilha de Páscoa

Visando conferir maior autenticidade à sua película, Costner optou por realizar as filmagens não em um estúdio de Hollywood, mas na própria Ilha de Páscoa. A escolha de filmar em Rapa Nui foi desafiadora, mas a produção decidiu que a autenticidade das paisagens e o impacto visual dos moais – as icônicas estátuas de pedra da ilha – eram fundamentais para a narrativa. Embora isso encarecesse o projeto, a decisão de Costner mostrou-se acertada pela autenticidade visual que as filmagens geraram. Essa escolha valorizou muito a paisagem e a cultura local, repleta de mistérios e histórias sobre a antiga civilização que ali floresceu.

Rapa Nui_mapa
A Ilha de Rapa Nui é um dos lugares mais difíceis de chegar do planeta, localizada no meio do oceano Pacífico, a 4000 km do Chile e do Tahiti

Gravar em um lugar tão remoto, contudo, trouxe desafios logísticos intensos. A equipe precisou levar uma grande quantidade de equipamento e suprimentos até a ilha, já que poucos recursos locais eram suficientes para suportar a produção de um filme de grande porte. Além disso, o transporte era limitado, com voos semanais, o que dificultava a reposição de materiais e a chegada de novas equipes. Para minimizar esses problemas, foi montada uma infraestrutura temporária, incluindo alojamentos e áreas de apoio técnico para a equipe e o elenco.

Os atores principais, incluindo Jason Scott Lee (Noro) e Sandrine Holt (Ramana), foram escolhidos por sua aparência física que poderia ser associada aos polinésios, embora não fossem descendentes diretos dos Rapa Nui. A decisão de escalar atores que pudessem autenticamente representar os personagens foi parte do esforço para manter a integridade cultural da narrativa.

Outro desafio foi a preservação ambiental e cultural da ilha. A equipe tomou medidas para proteger o terreno e garantir que os locais sagrados e históricos da ilha não fossem danificados durante as filmagens. Especialistas e membros da comunidade local foram consultados para que os cenários, vestuários e elementos culturais mostrassem o maior respeito possível pela história e tradições da ilha e seu povo.

A produção também enfrentou condições climáticas adversas. Rapa Nui tem um clima imprevisível, com ventos fortes e mudanças repentinas de tempo, o que afetou várias cenas ao ar livre e a montagem de equipamentos. No entanto, esses mesmos elementos naturais trouxeram um aspecto autêntico ao filme, capturando a beleza e a força bruta da paisagem.

Para os atores e a equipe técnica, a experiência de filmar em Rapa Nui foi intensa e transformadora. A cultura e as histórias dos habitantes da ilha influenciaram diretamente a abordagem do elenco e da produção. Muitos dos figurantes eram moradores locais, que trouxeram aos personagens uma autenticidade especial. A interação com a comunidade local ajudou a produção a entender melhor os aspectos históricos e simbólicos que envolvem as tradições de Rapa Nui, e isso se refletiu no tom do filme.

Impacto Cultural e Recepção

“Rapa Nui” recebeu críticas mistas ao ser lançado, com elogios por sua cinematografia e a representação visual da ilha, mas também críticas por sua interpretação ficcional dos eventos históricos. O filme, no entanto, trouxe uma atenção renovada para a Ilha de Páscoa e sua história enigmática, estimulando o interesse acadêmico e público pela cultura Rapa Nui.

A dramatização dos problemas ecológicos e sociais enfrentados pelos antigos habitantes da ilha ressoou em um momento de crescente consciência ambiental global. “Rapa Nui” ofereceu uma alegoria poderosa sobre os perigos da exploração excessiva dos recursos naturais e as consequências devastadoras da divisão social e da violência.

Considerações Finais

“Rapa Nui” é um filme que mistura ficção e história para contar a fascinante história da Ilha de Páscoa e seus habitantes. Lançado em um contexto de crescente interesse por histórias épicas e culturas exóticas, o filme se destacou por sua abordagem visualmente rica e sua tentativa de capturar a complexidade da civilização Rapa Nui.

O filme aborda temas universais de amor, poder, e sobrevivência, enquanto explora as específicas condições ecológicas e sociais que levaram ao colapso da sociedade da ilha. Embora tenha recebido críticas mistas, “Rapa Nui” permanece uma obra importante para aqueles interessados na história e na cultura da Ilha de Páscoa, bem como nas lições mais amplas sobre sustentabilidade e cooperação social.

Utilizando termos como moais, desmatamento, conflitos tribais, e Tangata Manu, “Rapa Nui” oferece uma visão detalhada e dramática de uma das culturas mais isoladas e enigmáticas do mundo, deixando uma marca duradoura na representação cinematográfica das civilizações antigas.

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