Avançar para o conteúdo

Tirinhas, Imagens e Pinturas Rupestres

Tirinhas, Imagens e Pinturas Rupestres – Como a junção de palavras e imagens acompanhou a humanidade desde os tempos primitivos?

As tirinhas são uma forma de arte consagrada na literatura do século XX. Elas são símbolo de humor inteligente e muita criatividade. Mas este formato que conhecemos tão bem hoje, que junta imagens com texto em uma pequena narração, teve uma longa jornada. Venha descobrir como as tirinhas se conectam às pinturas rupestres e as imagens dentro das Igrejas.

Pinturas Rupestres e a Invenção da Escrita

Histórias contadas através de desenhos são uma das técnicas mais antigas de narrativa da humanidade. E as pinturas rupestres, as tirinhas dos homens da pré-história, são a expressão mais antiga desta técnica. Estes homens usavam as gravuras para representar animais de caça ou cenas do cotidiano. Também faziam imagens abstratas, que poderiam ter alguma finalidade ritual ou mágica. A arte expressa através de pigmentos ou fissuras nas paredes poderia ter a finalidade de atrair a caça, ou de comunicar a sua existência para outros homens. Essa função de comunicação faria mais sentido à medida que os primeiros agrupamentos humanos fossem formados.

tirinhas

A vida social exigiu que a produção de imagens se aprimorasse para transmitir informações importantes. Passou-se, então, a repetir desenhos para os mesmos objetos representados. Isso tornava mais fácil sua compreensão. Um boi, por exemplo, passou a ser representado em algumas regiões por um triângulo com a ponta virada para baixo e duas linhas salientes para cima. Uma cobra era representada por uma linha que fazia curvas, e assim por diante. Mesmo sem muito talento para o desenho era fácil fazer estes sinais e representar animais e objetos.

Estes primeiros símbolos foram com o tempo formando um sistema de linguagem escrita, modificando-se para representar sons no lugar de objetos. Foi assim que o símbolo para boi se tornou a letra “A” e o de cobra a letra “S”. Desta forma qualquer um poderia produzi-los, mesmo que não tivesse grandes dons artísticos. Mas a transformação dos desenhos em palavras não impedia que produções pictográficas mais elaboradas acompanhassem os textos. Estes agora, contudo, vinham para ilustrar melhor as ideias ou simplesmente para embelezar as folhas de papel.

Dificuldades da Linguagem Escrita

A evolução da escrita teve avanços e recuos, pois o seu uso exigia que houvesse capacidade técnica por parte de quem escrevia e conhecimento da linguagem escrita por parte de quem lia. Exigia, assim, um certo tempo de dedicação e investimento na educação. Este custo normalmente ficava por conta de quem desejava aprender, pois os Estados não tinham a educação do povo como prioridade. O conhecimento da linguagem escrita era normalmente um privilégio das cortes e de alguns grupos sociais específicos, como os religiosos e os que prestavam serviço para o Estado. Era custoso manter professores para ensinar, e o domínio da linguagem escrita era considerado dispensável para muitas profissões.

Além de razões econômicas, o conhecimento das palavras também proporcionava acesso a ideias que nem sempre eram bem vindas entre aqueles que se desejava manter sob controle. Ideias acerca de justiça poderiam suscitar motins, revoltas e contestações. Por ambos motivos, economia de recursos e manutenção do poder, a linguagem escrita sofria para ser difundida. Após a decadência do Império Romano era comum que os moradores dos feudos e burgos não tivessem acesso à palavra escrita. Mas um certo tipo de conhecimento cultural é necessário para manter a ordem, e é preciso passá-lo adiante. Como faze-lo, contudo, sem o conhecimento da linguagem escrita?

As Igrejas e a Arte de Contar Histórias através de Imagens

No período que sucedeu o fim do Império Romano, e que conhecemos como Idade Média, a Igreja era a instituição que tinha a função de manter a ordem. As Igrejas se valeram, então, de instrumentos mais antigos que a escrita para narrar suas histórias e manter o controle cultural dos seus fiéis: as imagens. Assim como os homens primitivos ilustravam as cavernas com pinturas rupestres para contar suas histórias, as Igrejas trataram de preencher todo o seu espaço com imagens que também manteriam vivas suas próprias narrativas. Estas estavam no teto, nas paredes, nos vitrais, no altar, em todas as partes visíveis das Igrejas. Locais sagrados onde tudo o que se produzia assumia características divinas.

Mas a palavra escrita não estava totalmente morta. Ela continuava a se reproduzir entre os clérigos e nas cortes, e mesmo entre alguns camponeses que conseguiam ter acesso à instrução. A escrita e a imagem caminhavam em paralelo, desenvolvendo formas diferentes de narrativa. E também a oralidade cumpria seu papel através de cantigas, poemas, sermões e histórias que iam se perpetuando através de gerações.

Da Invenção da Imprensa às Tirinhas

A invenção da imprensa de Gutemberg, no século XV, favoreceu mais a palavra escrita, a princípio, tendo em vista que a tipagem gráfica usava letras para compor. A Bíblia foi um dos primeiros livros impressos. Nos séculos que se seguiram vieram muitos periódicos e folhetos anunciando todo tipo de coisas. Apesar da tipagem gráfica privilegiar no início a palavra escrita esse problema foi superado com o avanço das técnicas, e passou-se a usar também ilustrações. E no final do século XIX surgiria aquela que parecia ser a invenção mais elementar desde o princípio dos tempos: uma narrativa que combinava imagens e textos.

tirinhas
The Yellow Kid, a primeira publicação a usar quadros sequenciais para contar uma história e inserir as falas do personagem junto com a imagem. Nascia aqui a História em Quadrinhos no formato de tirinhas

Oficialmente a publicação de The Yellow Kid, inicialmente denominado Down on Hogan’s Alley, marca o início desta nova forma narrativa. Outras publicações semelhantes já eram feitas desde meados do século XIX, mas foi nesta tira que o autor, Richard Felton Outcault, teve a ideia de gravar as falas do personagem em sua roupa. O leitor seria capaz, então, de saber o que o personagem estava dizendo enquanto olhava para o desenho, numa sequência de quadros que permitia verificar o que foi dito antes e o que veio depois. Dito em outras palavras, uma narrativa. Nascia, assim, a história em quadrinhos.

O veículo de publicação destas primeiras narrativas gráficas eram os periódicos, que separava uma página para humor. Funcionavam como crônicas da vida urbana e dos costumes da época. O formato era de três quadros, nos quais uma situação qualquer era apresentada, desenvolvida e concluída de forma cômica. Este formato ficou conhecido como tirinhas. The Yellow Kid inaugurou o estilo, e fez muito sucesso com as peripécias do menino de pijama amarelo, mas muitos outros vieram em seguida.

As Primeiras Tirinhas

Além de The Yellow Kid, diversas outras tirinhas conquistaram sucesso nos anos que se seguiram. “Little Nemo in Slumberland“, criada por Winsor McCay, inovou pela capacidade criativa e pelas belas ilustrações. Nas histórias, um garotinho, Nemo, atravessava um quadro cheio de situações surreais até que no último desenho caía da cama, percebendo que tudo tinha sido um sonho. O humor estava sempre na maneira como ele caía da cama, remetendo às situações vividas no sonho.

The Katzenjammer Kids“, de Rudolph Dirks, introduziu o conceito de personagens travessos e suas divertidas peripécias. A obra rapidamente ganhou popularidade, evidenciando a versatilidade do meio das tirinhas em explorar diferentes temas e estilos narrativos. Já “Little Jimmy” de Jimmy Swinnerton, oferecia uma abordagem mais simples e humorística, conquistando os leitores com suas situações cotidianas e traços distintivos.

O Humor em Camadas

A temática do humor dominou as tirinhas produzidas nos primeiros dez anos, alcançando sempre grande sucesso e mantendo muitos periódicos em circulação. Uma característica interessante dessas pequenas narrativas é que elas agradavam adultos e crianças igualmente. O segredo estava nas camadas de humor, que conseguia juntar o circense à crônica de costumes. Cada público ria e se divertida com as mesmas tirinhas, mas por motivos diferentes.

Enquanto as crianças provavelmente davam gargalhadas com os tijolos que ameaçavam cair na cabeça do “Krazy Cat”, outro grande sucesso das tirinhas, os adultos riam por reconhecer semelhanças com situações do seu cotidiano. O humor por camadas continua a ser uma marca importante das tirinhas, evoluindo para clássicos como Peanuts, de Charles M. Schulz, Garfield, de Jim Davis, Calvin and Hobbes, de Bill Watterson e muitos outros.

Essas tirinhas, entre outras, desempenharam papéis fundamentais na consolidação e expansão do universo das histórias em quadrinhos, contribuindo para a diversidade e riqueza do meio ao longo dos anos.

Veja mais artigos sobre História em Quadrinhos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *